segunda-feira, abril 14, 2014

Estado, interesse público e interesse privado, há 40 anos

O jornal i de hoje traz esta capa com uma sondagem sobre a "honestidade" dos políticos de agora em comparação com os de antanho, do regime anterior.
Apesar de 40 anos de infusão mediática sobre a natureza maléfica do regime de Salazar/Caetano, a verdade é que muita gente, provavelmente muita que nem viveu aquete tempo, tem uma ideia que as pessoas que exerciam política, nessa altura, eram mais honestas que hoje em dia. Isto diz muito sobre várias coisas, mormente o regime que temos e a percepção pública da corrupção.

Por outro lado, os contentinhos da silva do actual regime dirão sempre que dantes é que era um horror de corrupção, mas bem escondida porque havia censura.


Será assim? Vejamos um caso singular e exemplificativo do que era o regime de Caetano e da moral vigente na altura, com os negócios do Estado. Hoje, chama-se ética e é tomada em forma de leis. A ética nunca é fora-da-lei... 

No tempo de Marcello Caetano, nos últimos anos do regime, o panorama da imprensa é descrito no livro de Pedro Jorge Castro, O ataque aos milionários, relacionando-o com uma competição entre dois "milionários", Jorge Brito e Miguel Quina.
A propósito do concurso público lançado pelo governo para construção de auto-estradas ( mesmo sem as ajudas dos fundos estruturais da CEE iriam ser construídas e já havia planos para tal, em curso de execução), no livro conta-se a disputa entre aqueles dois industriais para ganhar o concurso. Ganhou o "brisa".  E conta-se assim:


No seu livro Depoimento, Marcello Caetano conta o mesmo episódio sem referir nomes, alargando depois para outros exemplos da gestão pública de bens importantes, num modo que hoje é desconhecido, porque a ética, como escrevi, nunca está fora-da-lei e é esta que permite a imoralidade que não se chama ética ( et pour cause).O melhor exemplo disto encontra-se na parecerística avulsa do Estado com as firmas de advocacia do regime, "sempre as mesmas" e na corrupção que não o é, porque misturada nas práticas regulamentadas por leis aprovadas democraticamente. O prejuízo, esse, é de todos e por isso democrático também. Os beneficiários,todos os que  capturaram o regime em proveito próprio, com destaque para a elite partidária.

As entidades publicamente responsáveis pelo combate a esse fenómeno intrincado, asseguram periodicamente que "Portugal não é um país de corruptos" e que a percepção do assunto é desfigurada em relação à realidade, ou seja, a letra processual não diz com a careta dos factos conhecidos.  O desfasamento fica por conta de equívocos e desinformação e "lá vamos, cantando e rindo", como antigamente, embora sem a música original, substituida por artistas em play back.

As diferenças de regimes são assim flagrantes para quem quiser entender. O povo entende, pelos vistos.Como já disse um dos beneficiários do regime ( Vasco Vieira de Almeida) "o povo foi sempre melhor que as elites". Lá sabe do que fala...