sábado, fevereiro 13, 2010

O maquiavel inoxidável

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A coisa deve estar preta para José S. porque Proença de Carvalho anda a aparecer outra vez, como se lê pelo i de hoje.

Este indivíduo que figura acima, é uma das figuras do regime. Aliás, de todos os regimes, pelo lado oculto que enformam, no segredo de gabinetes forrados a silêncio.
O advogado Proença é da Soalheira, no Fundão. Foi funcionário público, incluindo polícia e magistrado do MP, até 1968, altura em que se tornou partner de Salgado Zenha, no caso da herança Sommer. Desde então, advoga em causas ligadas ao poder. Literalmente ou em procuração informal. Em todas as causas importantes deste país pequeno, Proença aparece destacado como advogado, conselheiro, reposteiro político, biombo de políticos ou defensor de vínculos políticos de fama periclitante.
Em todas as crises políticas importantes, recentes ou antigas, derivadas de escândalos, políticos, sexuais, sociais ou apenas criminais tout court, Proença aparece. Tal como agora. Em entrevistas de circunstância, a falar da vida, da concepção do mundo, do direito, da justiça e tutti quanti.

Os jornalismo caseiro, nessas ocasiões, como agora, sempre se prestou ao frete dispensável de lhe dar audição, para Proença esportular com oportunidade, a sua autorizada voz de advogado de currículo, geralmente em defesa dos entalados do sistema e do regime.

Foi no tempo das crises do poder cavaquista, com o jornalismo do Independente e com o caso Leonor Beleza e do ministério da Saúde, em que atacou a justiça e o ministério público em particular. Foi no caso Casa Pia em que se manifestou de modo ambíguo e chegou a defender as vítimas(!) Foi depois e é agora, como advogado de José S. em casos avulsos contra jornalistas.

Proença, a par de Marcelo Rebelo de Sousa e poucos mais, é um dos que atravessou os regimes de ditadura ( em que foi polícia e agente do MP) e passou para este regime democrático sempre em lugar de relevo social e político. É um dos conhecedores por dentro de tudo o que se passou à vista de todos e ainda conhece o que ocorreu nos bastidores, à vista de poucos. Foi um dos fundadores do Jornal Novo, em 1976, em oposição ao poder de esquerda comunista que se implantava.
Na política, aliás, sempre esteve, como aparatchick de bastidor, fosse como mandatário de campanhas eleitorais ( Freitas do Amaral e Cavaco Silva), fosse como ministro " da propaganda" no final dos anos oitenta e depois como propagandista-mor na RTP dos anos oitenta da AD.
Este pendor direitista, com o advento do poder socialista democrático, converteu-se em adesão ao bloco central de que será talvez o seu representante mais repelente e apenas com outro companheiro de perfil: José Miguel Júdice.
Esta associação ao poder político abre portas de proveito, naturalmente, e Proença sabe tocar baixo, com parceiros de guitarra como Dias Loureiro.

Sobre a Justiça é conhecida, desde há muito, e sem variação, a sua música de fundo sobre o Ministério Público: deve ser como no tempo de Salazar, com magistrados nomeados pelo poder político e dele dependentes. Portanto, sem qualquer veleidade de autonomia ou independência . Simples de entender e coerente com os interesses que defende. Argumento de base? Apela ao regime democrático, vejam só! Acha mais democrático porque enfim, a legitimidade e essas coisas, ficam melhor desse modo em que a magistratura se condiciona ao poder político eleito.

É por isso que ataca sistematicamente o MP, sempre que os magistrados investigam e indagam sobre políticos e corrupção, nas escassas alturas em que tal sucedeu em Portugal. O pior que pode acontecer a um Proença é um regime tipo italiano em que os magistrados tomam as rédeas do combate à corrupção entranhada no Estado e desfazem o sistema podre que o enforma. Proença deve ter pesadelos com um regime assim.

E portanto não ataca apenas os magistrados do MP. A magistratura judicial não lhe escapa à sobranceria sempre que as decisões lhe desagradam. Desenterra então conceitos peregrinos que em Direito arranjam sempre curso, para defender entalados excelentíssimos. Dos aspectos formais, contenta-se com os que lhe servem e dos substanciais, remete para a vacuidade dos princípios democráticos, sempre porque Proença sempre foi um democrata dos cinco costados, particularmente quando estava na direcção da RTP1. Tanto que um jornalista, Mensurado, lhe chamou Maquiavel à moda do Minho e Proença, sumamente ofendido, democraticamente, processou-o

Sendo advogado de José S. , actual primeiro-ministro, pronuncia-se abertamente sobre o corrente processo Face Oculta, porque a deontologia profissional assim lho permite, mesmo sem declarar o interesse particular.
Sobre o juiz de Aveiro que ouviu as escutas do processo, é simples de entender o raciocínio específico de Proença: "não merece credibilidade"! Porquê? Porque Proença, agarrado à interpretação salvífica de Germano Marques da Silva ( que não cita) entende que um primeiro-ministro, só pode ser gravado em escuta, mesmo fortuita, se tal for previamente autorizado pelo presidente do STJ. Voilà!
E se lhe disserem na mesma entrevista que há escutas em que intervém outros para além daquele, em que os factos são relatados de modo perturbador, não se desmancha. Em primeiro lugar "não conhece os factos" , porque não lê "notícias criminosas" e depois, se lhe repetirem e insistirem que o tal despacho que não lhe merece credibilidade é afinal sustentado por escutas ao duas pessoas que não são o primeiro-ministro, embatuca. Mas não desarma no essencial: não sendo lícita a publicação pelo jornal, não quer saber de mais nada.
E portanto não avalia essas escutas.
Os adeptos do F.C.Porto, no caso das escutas a Pinto da Costa, têm exactamente a mesma posição de princípio: servem-se do formalismo para enterrar a substãncia.
No caso de Proença, essa substância já vem de longe e reside no currículo do personagem.
Repelente? Não. Apenas naturalmente inoxidável.
Um dos melhores momentos de Proença, como advogado, ocorreu em meados dos anos setenta e já foi contado.
Na revista Opção nº4 de 20 a 27 de Maio de 1976, cronicava-se um julgamento que decorria “à porta fechada” e que o advogado de Vera Lagoa, de seu nome Proença de Carvalho, tecera na audiência “severas críticas ao juiz Hermínio Ramos, acusando-o de constantes intervenções abusivas e lesivas do interesse da sua constituinte”. Anunciava ainda que entre as testemunhas de defesa de Vera Lagoa, se contavam Raul Rego, David-Mourão Ferreira, Maria Barroso e o major Manuel Monge.

Na edição de O Jornal de 2.4.1976, no entanto, uma pequena referência ao julgamento, com esta menção: “ Sol e sombra. O julgamento de Vera Lagoa , motivado por um artigo em que visava o general Costa Gomes, foi adiado sine die, devido ao estado de saúde daquela jornalista.”
A referência a Sol e sombra, grafava a palavra “Sol”, porque o Diabo tinha entretanto, sido transformado em …Sol, um título fugaz que durou o tempo de suspensão preventiva do jornal e que terminou com o julgamento, noticiado apenas pela revista Vida Mundial, de 27.5.1976, dirigida então por…Natália Correia que colocou aquela entre os que naquela semana “riam…”, referindo-se à absolvição da jornalistas e exaltando “O exemplar magistrado [ o tal que Proença vituperara…] não só absolveu Vera Lagoa como a exortou, em considerações finais, a continuar a pôr a sua pena ao serviço da liberdade e da Independência do País.”

Como se lê, as críticas públicas aos juízes, não são de agora.

Proença de Carvalho é um dos inoxidáveis do regime. Portanto, não precisa de graxa de nenhum jornal.

Ah! E é muito amigo de Manuel Alegre de quem gosta muito da sua poesia...