quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Um quadro naif
























Tabu de 30.9.2006 e de 20.10.2007

Durante os anos de Souto Moura na PGR, defendi aqui e noutros lados, o seu desempenho na PGR, mormente a propósito do processo Casa Pia.
Sempre me pareceu que Souto Moura cumpriu com a mais fiel lealdade as funções que lhe foram confiadas, porque sempre entendeu os processos que nunca dirigiu enquanto PGR, como titulados por quem devia ter a autonomia interna para tal e nunca interferiu, que se saiba, no desenrolar da respectiva normalidade legal. E sempre mostrou publicamente e no seu trabalho que não distinguia portugueses e cidadãos em geral, em função de outro critério que não o estritamente legal.
Por isso foi vilipendiado pelo partido socialista e forças adjacentes que almejavam então o poder que um dos entalados naquele processo lhes prometia.

Hoje, no "i", Souto Moura, revela a sua faceta mais ingénua, naif mesmo, ao pronunciar-se sobre as decisões de Pinto Monteiro, enquanto PGR, no caso das escutas da Face Oculta.

"Há que distinguir o plano estritamente jurídico de outras valorizações que são feitas do comportamento de alguém."
O jornal refere que Souto Moura refere o dever de reserva para se reservar de declarações outras, mas ainda assim diz que Pinto Monteiro e Noronha Nascimento "tiveram sobre a questão uma intervenção puramente técnica". E esclarece que em "direito penal há o princípio da intervenção mínima", para explicar que "só os comportamentos graves para a sociedade devem ser penalizados". E acrescenta, ainda assim que " O que não quer dizer que do ponto de vista ético e social não haja comportamentos censuráveis."

O que quer isto dizer, dito por Souto Moura? Pura e simplesmente que apoia a decisão de Pinto Monteiro?
Parece. Se for, então parece mal. Por dois motivos:
A atitude e decisões de Pinto Monteiro e Noronha Nascimento, não são puramente técnicas, no contexto em que foram produzidas. Se o fossem, teria havido um inquérito para em sede processual se produzirem as tais intervenções "puramente técnicas". E não houve. E se o fossem, os despachos, particularmente os de Noronha Nascimento teriam sido produzidos num outro expediente que não apenas um molho de papéis e certidões.
Portanto, foram outra coisa que Souto Moura não quer alcançar, por ingenuidade ou por outro motivo parecido: o de corporativismo atávico. Explico: Souto Moura é magistrado desde sempre e actualmente é juiz conselheiro ( por uma unha negra porque o partido Socialista queria impedi-lo de aí chegar, ostensivamente). Talvez por mimetismo intelectual, tenderá a pensar como disse que pensa. Mas pensa mal, a meu ver, neste assunto e neste momento.

Por outro lado, esta declaração visa desvalorizar, objectivamente, a responsabilidade de Pinto Monteiro que alguns já apontaram na fronteira do crime de denegação de justiça. Se for instaurado inquérito ao PGR, a competência para a sua investigação cabe, por força da lei processual penal, a um dos juizes do STJ, por sorteio. Ou seja, pode calhar a Souto Moura.
Só por isso, devia manter o total dever de reserva.

14 comentários:

Karocha disse...

José

Ouviu o Dr. Pires de lima na SICN?

josé disse...

Não. Que disse?

zazie disse...

Mas quem é que pode instaurar um inquérito ao PGR?

E quem averigua?

josé disse...

Segundo a lei processual, qualquer pessoa pode denunciar o PGR. E o inquérito corre termos no STJ, sendo sorteado um juiz conselheiro, para fazer a investigação nesse inquérito.

É assim que diz a lei, no artigo Artigo 265.º CPP:

Inquérito contra magistrados
1 - Se for objecto da notícia do crime magistrado judicial ou do Ministério Público, é designado para a realização do inquérito magistrado de categoria igual ou superior à do visado.
2 - Se for objecto da notícia do crime o Procurador-Geral da República, a competência para o inquérito pertence a um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, designado por sorteio, que fica impedido de intervir nos subsequentes actos do processo.

Zé Luís disse...

Já percebi. UM tanso a proteger um sonso. Tão bem um e outro.

Karocha disse...

Só ouvido José!
O que ele disse do PM, do estado da justiça...
Se conseguir o link da entrevista , mando-lhe.

Diogo disse...

Considero este um dos melhores blogues da nossa praça. Acompanho-o diariamente mas comento raramente porque os meandros do direito estão fora da minha área.

Anónimo disse...

De facto Pires de Lima hoje foi notável nas directas a Sócrates: um aldrabão de feira (assim mesmo, dito duas vezes para não ficarem dúvidas). Não haja dúvidas que é uma pessoa única no que toca a frontalidade. O retrato que traçou do país é desastroso. Já agora, o New York Times não deixa Sócrates muito melhor, num artigo de fazer corar o país, expondo-o cuidadosamente ao ridículo.

António disse...

Souto Moura
É um homem impoluto, sério, um Magistrado de isenção a toda a prova e no exercício do seu mandado como PGR, sob as maiores pressões, respeitou SEMPRE a autonomia dos colegas mesmo em exercício de funções nas mais "insignificantes comarcas" menos ou mais próximas dos grandes centros.
Com ele, sabia-se que qualquer expediente entrado num Tribunal, independentemente do visado pelo mesmo, iria à distribuição e seria trabalhado pelo magistrado "natural".
Nem imagino que lhe ocorresse sequer criar uma "equipa" por mais competente que fosse, para tratar este ou aquele caso, em deterimento do magistrado natural desse processo e, isto, sem sequer discutir, se isso tem ou não aspectos positivos.
Ele não o faria (.)
Contudo o que o fez "tombar" como PGR, foi a meu ver,o facto de aparentar sempre uma bonomia e ingenuidade, uma crença na "bondade natural do ser humano" quase colorida, que lhe retiram sentido prático, sentido de oportunidade, que lhe retiram garra. Pelo menos na aparência.

E agora, é de novo essa bonomia a falar ...
Talvez o cansaço de tantas guerras e o "tapar dos próprios olhos à consciência" por um pouco de paz e bem estar.

Será humanamente compreensível depois de tudo o que o fizeram viver.

Mas mais uma vez ganharia em permanecer calado.
Na verdade existem certas funções que têm qualquer coisa de sagrado. Um magistrado é alguém que crê no valor do direito enquanto tal e se crê tem que ser coerente em todos os momentos da sua vida, com esse valor.

Não se lhe pede que para defesa de tal valor seja uma espécie de D Quixote combatendo estéreis moinhos de vento, não se espera que viva em guerra, mas espera-se que seja capaz de ir á luta e de combater de necessário.

Na linguagem popular certa vez uma sábia anciã deixou-me esta expressão que adopto como princípio e que aqui faz algum sentido :
"- Pelos teus valores, pela verdade, dá um boi para evitar uma guerra. Mas se te lançarem nela, dá toda a tua boiada , lutando empenhadamente até o fim, para os fazeres respeitar."

É claro que quem diz e escreve coisas politicamente correctas em todos os momentos, tem uma vida tranquila, tem asseguradas uma série de circunstãncias que fazem o que chamamos de" bem viver".
Mas aqueles que querem antes de mais, bem viver com as suas consciências, pois nada os faria sentir cheios se assim não fosse, sujeitam-se a ser eventualmente perseguidos, a não conseguir certas benesses materiais talvez até justamente devidas, mas ainda assim FALAM, LUTAM, para que o mundo que é de todos nós e que já foi um mundo aonde era muito mais difícil viver em liberdade, conseguida sempre com lutas dolorosas, seja um lugar melhor habitável por todos nós e para as gerações vindouras.

É isto que antes de mais nada deveriam lembrar nesta e em todas as matérias quer Souto Moura, quer Pinto Monteiro, porque também este, ainda que mais civilista, fez um dia um compromisso de alma com o valor do direito.

Ruvasa disse...

Viva, José!

Concordo com o que escreve, muito embora tenha por Souto de Moura, tanto a nível pessoal como profissional, uma profunda estima, que teve origem há mais de duas décadas e meia, resultante do contacto diário, e que se reforçou - se possível - no seguimento atento do seu desempenho como Procurador Geral da República e das patifarias de que foi alvo.

O maior problema de Souto de Moura é, quanto a mim - e afirmo-o com a certeza do que digo - a sua sempre inalterada afabilidade, aliada à humanidade de carácter e fé na natureza humana, resultante certamente de um espírito de alma limpa como raramente encontrei ao longo da minha já nada curta vida.

Souto Moura não merecia os sobressaltos por que o fizeram passar. Trata-se de um magistrado cuja postura sempre honrou a Justiça Portuguesa.

E não digo isto por qualquer interesse que não seja o da afirmação da verdade e desejo de ser justo. Apenas isso. De há 18 anos para cá, vi-o e cumprimentámo-nos apenas uma vez, na AR, numa sessão pública ali realizada, há uns 4 ou 5 anos atrás.

Cumpimentos

Ruben Valle Santos

pedro frederico disse...

Bom dia, Karocha (permita-me não usar o senhora antes do nick) também vi ontem na SicN (o SR Pires de Lima) e fiquei tão feliz por tantas coisas que eu sinto serem ditas com todas as letras...a parte em que ele caracteriza Sócrates é de antologia, agradecia, (já procurei no youtube ,ainda ninguem fez upload) se souber que o video fica disponivel online para avisar( eu por mim deixarei link aqui tb se o encontrar)....José, digo-lhe que foi divino...

Karocha disse...

pedro frederico

Karocha não é nick é o meu petit-nom ;-)

A Sic não tem,mas vou dar a minha volta diária na blogosfera, alguém o há-de ter!

Karocha disse...

Não encontro!

O que sei notícia de última hora é que foi aceite uma providencia cautelar para o sol não publicar nada.

Karocha disse...

José

Um advogado não pode notificar em voz alta a decisão de um Juiz,pois não?
Para isso tem que ser um oficial de diligências?!!!

O Público activista e relapso