Tal como no postal anterior se referiu, o Portugal de 1970 não era exactamente como alguns agora pretendem mostrar. Seria tal coisa, a preto e branco, mas também com tonalidades coloridas. Os retratos a sépia neo-realista normalmente esquecem esta cor, et pour cause.
Sempre que em Portugal se procurou nestes últimos trinta e tal anos recordar na imprensa o passado anterior, as cores desaparecem e fica o cinzento como tom dominante. "Salazarento" é a tonalidade preferida dessas pessoas que mesmo tendo vivido no tempo preferem recordar a tristeza de um céu carregado de nuvens negras a ameaçar perseguições políticas, censura prévia, prisões fascistas, pobreza generalizada, analfabetismo ambiente etc etc.
E no entanto o real vivido por muitos que ainda se lembram não era assim, a não ser para uns tantos perseguidos por serem "subversivos" ou enfileirados na oposição activa e subversiva ao regime.
Porém, o discurso dos então perseguidos dominou por completo o panorama histórico que nos é agora contado na imprensa. De tal modo que mesmo aqueles que nem viveram o tempo, assim o descrevem por tal lhes ter sido contado. Os manuais escolares recentes espelham a mesma realidade distorcida e paralela.
Não lhes adianta consultar documentos impressos porque para os ver colocam os óculos politicamente correctos e normalmente os antolhos da praxe.
Custa-me entender porque é que algumas pessoas se recusam a conhecer a realidade e aceitam de bom grado aquela que lhes é contada por aqueles cuja narrativa vem sempre carregada de mensagem política desviante e de esquerda, embrulhada em preconceitos ainda de oposição ao regime antigo. Fossilizaram esse entendimento e não há modo de os dessalinizar.
Assim para melhor entendimento de quem não se lembra ou vive enganado pelo que agora lhes contam como foi, aqui ficam algumas imagens de revistas do ano de 1970, sobre fenómenos culturais e de âmbito popular e portanto sentido pela maioria da população.
Como o jornalismo da Sábado cita Simone de Oliveira para dizer que "era uma das mulheres mais cobiçadas do país" mas que era "insultada na rua" por ter cantado um poema de Ary dos Santos ( retinto comunista) em que se dizia a dado passo que "quem faz um filho fá-lo por gosto" ( isso para além de outras alusões implícias a temáticas sexuais, na referida canção, Desfolhada, que ganhara o festival da Canção do ano anterior) e ainda por que cita a mesma Simone, agora, a dizer que " Nessa altura, uma mulher ser artista era a mesma coisa que pega", aqui ficam algumas imagens da dita e de outras figuras do tempo nesta composição fotográfica com as capas interiores da revista R&T de grande difusão, de 15 e 29 de Agosto de 1970 . Numa delas aparece Simone em pose de pin-up...sendo certo que essas páginas eram usadas para apresentações do género pin-up, como se pode ver pela outra também mostrada. Portanto, quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele...
Em pano de fundo, uma edição do Diário Popular, do dia 8.10.1970 no suplemento Quinta-Feira à Tarde, as duas páginas centrais dedicadas às Letras e Artes, por vezes com críticas de Agustina Bessa Luís ou Augusto Abelaira e outros João Gaspar Simões.
No âmbito da cultura popular, aliás, nesse ano havia algumas escolhas, para além da Crónica Feminina, da Agência Portuguesa de Revistas.
Por exemplo, estas, também da dita agência:
A revista Mundo Moderno era o equivalente, à nossa maneira, da Playboy, revista que por cá não se distribuía ( nos países de Leste também não, aliás). Destinada a um público jovem trazia reportagens sobre fenómenos musicais estrangeiros, com fotos de página inteira e composição gráfica inovadora ( eventualmente roubada à TWEN alemã, da época e que também influenciou a revista francesa Rock & Folk).
Não obstante como estávamos em Portugal, a revista promovia na última página um concurso com o seguinte tema:
As imagens das jovens modelos eram e são de uma inefabilidade impressionante para nos mostrar a verdadeira pulsão social da modernidade ambiente. É ver os modelos de roupa, a pose das raparigas, o efeito de conjunto, para perceber o que era mesmo o Portugal da época. Se se compararem estes modelos ( e a revista, quinzenal, trazia sempre três à escolha, qual deles o mais idiossincrático) com aquela Simone podemos ter um retrato um pouco mais colorido da sociedade portuguesa desse "tempo moderno".
Por outro lado, à margem "de certa maneira" desse ambiente popular e de raiz, havia outro. Afinal, no Portugal de 1970 havia já outra alternativa e que a revista Mundo da Canção, publicada no Porto deste finais de 1969 mostrava muito bem, até em tonalidade colorida apesar das páginas serem sempre a preto e branco e trazerem críticas aos discos estrangeiros mais badalados, com letras de canções e reportagens por vezes alargadas de acontecimentos musicais como foi o caso do Festival de Vilar de Mouros em 1971.
Para quem quer apresentar um Portugal de censura aos artistas pré-revolucionários da época ficam estes documentos para demonstrar que a música dos mesmos, tirando uma ou outra canção mais panfletária ( José Mário Branco e a ronda do soldadinho, por exemplo.) passava para o publico em geral. A revista era abertamente de esquerda e nem sequer o escondia. Foi censurada integralmente num número bem posterior a estes ( o nº 34 que trazia na capa cinco discos magníficos da mpp, nas todos comunistas: Margem de certa maneira de José Mário Branco; Fala do Homem nascido, com vários intérpretes e destaque para Samuel; Eu vou ser como a toupeira, de José Afonso; Até ao pescoço de José Jorge Letria e Palavras ditas de Mário Viegas). Os comunistas das canções de protesto não se podiam queixar muito do regime, em 1970, neste aspecto.
E para outra camada de público mais elitista e exigente em modo artístico havia o rádio da época e alguns programas de grande qualidade artística, como o Em Órbita, aqui mostrado na classificação dos melhores discos do ano anterior, pela revista Mundo Moderno de 1 de Fevereiro de 1970. O programa, da autoria entre outros de Jorge Gil passava o que de melhor se publicava na música anglo-saxónica da época, sendo uma referência para os "iés-iés" da altura.
Em epílogo:quem quiser ser enganado pelos "historiadores" tipo soviético que costumavam apagar das imagens oficiais as figuras que caiam politicamente em desgraça, pode sempre fazê-lo.
Aos demais, apenas uma observação: não deixem que essa gente aramada em historiadora lhes comam as papas na cabeça.