O Público, definitivamente, tornou-se o órgão oficioso da Esquerda portuguesa. A edição de hoje traz uma artigo de São José de Almeida focando os pontos de vista do Bloco de Esquerda e numa das páginas de opinião ( não sei o que andam lá a fazer Pedro Lomba e Vasco Pulido Valente, neste diário) aparece Francisco Assis, o putativo líder de um PS moderado, em concorrência com o actual, o Seguro cuja liderança não morrerá de velha.
No artigo de São José de Almeida espelha-se o desejo de uma boa parte da redacção do periódico: tornar Portugal outra vez um país em que a Esquerda mande na Economia, depois de tentar condicionar a cultura politicamente correcta.
Louçã é um representante de uma esquerda radical ( que não extremista) cujo programa é relativamente simples de enunciar: um regresso aos valores já pelo mesmo defendidos em diversas entrevistas e que se resumem nesta, de 2005:
"O BE é um movimento socialista ( diferenciado da noção social-democrata, entenda-se-nota minha) e desse ponto de vista pretende uma revolução profunda na sociedade portuguesa. O socialismo é uma crítica profunda que pretende substituir o capitalismo por uma forma de democracia social. A diferença é que o socialismo foi visto, por causa da experiência soviética, como a estatização de todas as relações sociais. E isso é inaceitável. Uma é que os meios de produção fundamentais e de regulação da vida económica sejam democratizados ( atenção que o termo não tem equivalente semântico no ocidente e significa colectivização-nota minha) em igualdade de oportunidade pelas pessoas. Outra é que a arte, a cultura e as escolhas de vida possam ser impostas por um Estado ( é esta a denúncia mais grave contra as posições ideológicas do PCP). (...) É preciso partir muita pedra e em Portugal é difícil. Custa mas temos de o fazer com convicção."
O Público é apenas o porta-voz mais notório desta nova Esquerda muito velha e revelha. E por isso a mencionada São José de Almeida amplifica a propaganda, num jornalismo de causas. Página inteira; fotografia a condizer e bora prá frente que é assim que se faz política em jornalismo. Vergonhoso? Nem tanto, apenas normal neste mundo nacional do jornalismo subsidiado.
Páginas à frente aparece outro prócere da Esquerda, desta vez a moderada, dita democrática, de seu nome Assis. De ideias pobres, debita o receituário contraditório do costume. Cita como é natural, outro prócere da linha de esquerda democrática que faz a ponte com os radicais, Ferro Rodrigues de seu nome que se tivesse um módico de vergonha nunca mais aparecia em público a falar de política. Assis, o pobre, recita que "cada vez mais me convenço que foi uma pena que este homem sóbrio, sério e denso não tenha sido primeiro-ministro." Assim tal e qual que é para as vítimas da Casa Pia ficarem a saber com quem lidam quando lidam com o PS.
Estes dois discursos entrelinham-se num desiderato comum: correr com a "direita", cuja definição nunca é apresentada senão por contraste com as propostas de socialismo, mesmo o democrático associado ao radical.
Evidentemente que aquela concepção radical de socialismo pouco tem a ver com a versão "democrática" e por isso a contradição não aparece com a evidência devida pela simples razão de oportunismo político e táctica eleitoral.
Esta Esquerda genérica tem um lei-motiv claro no dizer de Louçã: controlar o crédito, para já, ou seja o dinheiro dos bancos. Como? "juntar centenas de pessoas durante o tempo que for preciso prepararem em pormenor detalhado a política orçamental, a fiscal, de importações, etc. "
Aqui está o programa breve, dito pelo mesmo, sem grande rebuços e, garante, Louçã, " há gente com ideias claras e com disponibilidade para criar um espaço público de debate."
É pena que um programa de tv tipo Prós & Contras não dedique uma ou várias edições a descorticar este tipo de iniciativas, com opiniões devidamente alargadas e em que o BE seja escrutinado realmente naquilo que pretende e é acima enunciado: um outro PREC, uma repristinação do outro de 75, com outros meios e mais sofisticado mas apenas com um objectivo: acabar com o sistema de produção de bens que temos e o de financiamento que existe.
Como é que esta Esquerda radical acaparada pelas São José de Almeida do Público convive com a Esquerda democrática de um PS ou até de um PSD social-democrata que o tal Assis chama de centro-direita? Mal, muito mal, mas aparentemente sem dar ar de tal descalabro ideológico.
Esta contradição não se vai desfazer tão cedo porque não temos em Portugal nenhum ideólogo ou pensador ou articulista do estilo de um Jacques Julliard, que defende a dama de Esquerda com outra lógica e princípios que nada têm a ver com aqueles do radical Louçã e são bem mais consistentes que os do pobre Assis de burel ideológico sempre a pedir e a pregar aos peixes do seu partido que estão anafados de tanto mamar na teta do Estado.
Julliard, num artigo recente ( 15.9.2012) na revista Marianne defendia que "o mundo moderno é aquele que substituiu o pluralismo dos valores antigos pelo domínio de um deles que é ao mesmo tempo a negação de todos os demais: o valor dinheiro. Desde que os valores próprios da ciência, da arte, da religião, do jogo, puderam ser reduzidos ao seu equivalente monetário, foram despojados da sua dignidade específica. O padre e o burguês; o nobre e o burguês; o intelectual e o burguês; o proletário e o burguês: todos estes duelos singulares conheceram o mesmo destino, o triunfo da burguesia e do seu valor fétiche. As morais vencidas, a cristã, a aristocrática, a proletária, eram todas fundadas no primado dos valores colectivos da solidariedade ou do altruísmo ( dévouement). A moral vitoriosa é a do individualismo burguês. "
Julliard escreve isto sobre a situação francesa, terminando por apontar a ambivalência francesa face a este fenómeno, num contexto em que aponta o dinheiro dos ricos franceses como sendo o partido do dinheiro contra o partido da riqueza nacional, a propósito do aumento de impostos sobre esses ricos, tipo Bernard Arnaut.
No nosso caso português a esquerda nem sequer tem esse pretexto porque não há ricos como em França. Um dos maiores, aliás, é o financiador do Público trotskista! A esse sai-lhe bem cara a paz social...segundo se murmura, oitenta milhões de euros de prejuízo acumulado, para garantir a liberdade de escrever disparates das São José de Almeida, Bárbara Reis e outros Gaspar.
Julliard cita um caso isolado da cultura aristocrática como sendo um decalque da cultura católica: o enriquecimento através da banca ou do comércio é incompatível com a caridade ou com a honra. Os nobres não tiram a sua riqueza da actividade mercantil, mas das rendas de propriedades. Entregar-se ao comércio, à indústria e à banca é renunciar à nobreza. Este paradoxo aristocrático é um escândalo para o burguês.
É esta também a cultura da Esquerda portuguesa. As actividades mercantis, industriais ou banqueiras são-lhes estranhas e indignas. Tudo deve passar pelo Estado, o grande reciclador da dignidade económica. Sendo o Estado a mercadejar, a produzir e a banquear fica tudo bem e equilibrado.
É esta, no fundo, a mentalidade da Esquerda portuguesa: um profundo ódio à burguesia dos bancos, comércio e indústria. Tal como escreve Julliard " o dinheiro ideal não é compatível com a sua reprodução" e é por isso que Louçã, por exemplo e neste caso quer controlar o crédito.
Evidentemente que nada disto ressente a outra Esquerda, a democrática que se fica nas meias tintas e vive permanentemente com estas condradições, ultrapassando-as com a treta habitual de esquerda e a prática absoluta e convincentemente burguesa.
E assim enganam os fregueses.