quinta-feira, novembro 29, 2012

A corrupção central

 InVerbis, citando o Correio da Manhã, numa pequena crónica de um polícia e que vale a pena ler:

Manuel Catarino - A Justiça está longe de ganhar a guerra contra a corrupção. Faltam leis claras e adaptadas aos tempos em que vivemos. Mas, ainda que o País estivesse servido por uma eficaz artilharia legal, faltaria a coragem para a apontar ao coração do alvo.
A tendência da magistratura – juizes e procuradores – é, regra geral, para apontar ao lado. Não vá aleijar-se alguém...
As brigadas da Polícia Judiciária especializadas no combate aos crimes de 'colarinho branco' conhecem como ninguém este autêntico pântano que atola a investigação.
As dificuldades começam na fase de inquérito. Os procuradores do Ministério Público ora se ajeitam incomodados por se intrometerem em interesses milionários, ora lhes dá para serem tão cuidadosos que as investigações se arrastam sem chegar a lado nenhum.
Os tremeliques passam aos juizes de primeira instância. Quando os processos chegam à sala de audiência, os juizes mostram-se mais timoratos que nunca.
E se alguma condenação subir a recurso, os desembargadores encontram um erro processual que mandará o réu em paz. Nisto, como em tudo, há excepções.

Manuel Catarino | Correio da Manhã | 29-11-2012

O fenómeno da corrupção em Portugal, desde o final dos anos oitenta do século que passou, foi sempre prato do dia.  A visibilidade do fenómeno começou praticamente com a passagem da democracia para a normalização dos governos constitucionais e da fixação de um núcleo duro de apaniguados de bloco central de interesses, incluindo políticos.
A criação do organismo Alta Autoridade Contra a Corrupção, em 1983 já mostrava bem a preocupação das entidades políticas em lidar com o assunto, pelo menos em termos de imagem pública.
Com a entrada de Portugal na CEE, e concomitante vinda de fundos aos milhões, para "estruturar" a nossa vida e formar profissionalmente milhares de pessoas, o problema agravou-se. Os programas de formação profissional foram aproveitados, até por vezes por entidades insuspeitas, como sindicatos, para se aproveitar de qualquer maneira os fundos colocados à disposição.
Parece e sublinho o parece porque foi essa a impressão da altura, que os governos de Cavaco Silva no final dos anos oitenta e início dos noventa, não cuidaram por aí além de evitar, pela via da prevenção, os desmandos que se verificaram em muitos casos, tendo alguns deles chegado aos tribunais. 
Em 1990 começou o chamado caso UGT, logo avocado pelo MºPº. O caso Partex, igualmente, este começado em 1991. O da Caixa Económica Açoreana, esse foi logo em 1988 e só em 1996 se deduziu acusação. A par desses havia cerca de mais duas dezenas da mesma índole, espalhados pelos DIAPs de Lisboa e Porto.
Para além desses, havia outros casos como o de Vale do Navio, começado em 1987 e o do aeroporto de Macau, começado em 1990 e o do ministério da Saúde, com Costa Freire, começado em 1989.
O avolumar destes casos em devido tempo enumerados pela PGR, conduziu a um interesse crescente da opinião publicada e das notícias avulsas. 
Em resultado da dinâmica entre as entidades de investigação e a legislação existente, não tardou a aparecerem problemas graves que entroncaram aqueloutros agora descritos na crónica de Manuel Catarino, acima publicada. 
 Em Fevereiro de 1992 a discussão na AR da autonomia do Ministério Público deu azo a esta manifestação inédita, no dia 27 de Fevereiro desse ano, data aprazada para a discussão na generalidade do projecto de Lei da autoria do PSD. Os magistrados do MºPº em peso e becados ocuparam as galerias da A.R. para desconsolo de um Pacheco Pereira que interpelou a "mesa" para saber quem tinha dado autorização para o desaforo que tivera lugar ao abrirem-se as portas antes dos deputados se sentarem nos lugares...Pacheco Pereira, sempre o mesmo. Ao seu lado e como chefe de bancada, estava Duarte Lima que nessa mesma tarde chamou a Jaime Gama uma "coisa gelatinosa", para ouvir em retorsão um mimo ao "bokassa" da Madeira. Pacheco Pereira sentava-se então lado a lado com esta elite e vituperava o despautério de se terem aberto as portas aos magistrados, sem a autorização de quem de direito no Plenário. Pacheco, sempre o mesmo.



Nesse contexto, a tensão entre o MºPº, autónomo, a Polícia Judiciária, dependente do Governo e o ministro da Justiça, entidade tutelar, estalou para níveis nunca vistos. Cunha Rodrigues e Laborinho Lúcio eram as faces visíveis do problema, como mostra este Público de 6 de Maio 1993.

Por causa disso, na altura sucediam-se as entrevistas desses protagonistas, com destaque para Cunha Rodrigues, então PGR e a braços com acusações veladas de gestão política dos processos...
Dizia por isso ao Expresso de 8 de Outubro de 1994 coisas com muita classe que nenhum outro que veio a seguir conseguiu igualar. Cunha Rodrigues tinha isso mesmo: classe. E sabia muito bem o que deveria ser o Ministério Público. Pena aquele caso do fax de Macau...


Perante a velha acusação dos investigadores quanto à endémica falta de meios, Laborinho Lúcio, enquanto ministro da Justiça fazia as honras da casa e assegurava o discurso politicamente correcto a que nem faltou a garantia de que "não somos um país de corrupção generalizada, mas somos um país onde há fenómenos de corrupção que vão bastante para lá da leitura estatística."  A costumada ideia de "uma no cravo outra na ferradura"...típica de Laborinho.


Entre estas disputas apareciam nos interstícios outros personagens que já vinham de longe....de muito longe:

Talvez por isso e por outras, uma crónica de Rogério Martins que foi um dos tecnocratas do marcelismo, no Público de 15 de Outubro de 1995 fazia um retrato do desejo geral de se ultrapassar o período do cavaquismo. Em 1995 toda a gente esperava...Guterres. Nem sabiam o que os esperava, no entanto.


3 comentários:

Floribundus disse...

tenho razões objectivas, ouvidas na maçonaria, para pensar muito mal do político ps rodrigues. infelizmente
o luis nunes de almeida roubou-me esses apontamentos conjuntamente com 3 grossos dosiês sobre as 30 cisões maçónicas portuguesas (7 anos de pesquisas)

ouvidas em público a quem conhecia os factos, magistrado desaparecido há anos.

a melancia era a ponta quase invisível do iceberg.

sei perfeitamente como a esquerda ps tentou entalar e mandar borda fora o meu querido Amigo Ricardo.

o lúcio é apenas o nazareno laborinho:
muita parra, poucxa uva

a ditadura continua por 'trancos e barrancos'

lusitânea disse...

Acho piada aos democratas actuais em especial aos de formação marxista.Vão ao passado e aos seus arquivos para refazerem a história e inocentar quem muito bem lhes convier no momento.Mas são cuidadosos na destruição dos arquivos que os pudessem comprometer...ou até exportá-los para longe das vistas dos estudiosos...
Os milhões sacados "às ajudas" da CEE/UE para "modernizar" agricultura,pescas,comércio e indústria estão assim a bom recato.Falta dinheiro?Saca-se aos funcionários públicos que é onde ele não pode esconder-se...e que nunca receberam nada "extra".
E tudo com garantias do caraças...

AAA disse...

O José fala na «classe» de Cunha Rodrigues. Com uma mancha, o caso Macau.
Eu vejo ao contrário: esta «classe» é como o verniz: é só brilho por fora. Por dentro, é tudo igual.
Não tenho dúvidas que, se ele fosse PGR neste tempo, os casos Face oculta e outros tinham sido abafados como foram. De forma mais inteligente, concordo. Pinto Monteiro é tosco e menos habilidoso.
O caso Macau é revelador da personagem, e por isso é impossível apagá-lo com cosméticas.
Aliás, se virmos bem a tal «gestão política dos processos» o que é?

O Público activista e relapso