Observador:
O mais grave no “Caso Sócrates” não é a descoberta de mais um
político corrupto. O mais grave não é que essa corrupção tenha chegado
ao nível mais elevado do poder executivo. O mais grave nem sequer é que
essa corrupção tenha alcançado o grau de se conceber um esquema para
controlar a imprensa e a economia do país. Tudo isso foi descoberto,
observado, gravado e investigado.
O mais grave foi o procurador-geral ter considerado
que não existiam indícios probatórios nem elementos de facto que
determinassem a instauração de procedimento criminal pela pratica do
crime de atentado contra o Estado de Direito e ter enviado as provas –
certidões e CDs das gravações das escutas telefónicas – ao Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, propondo a sua destruição.
O mais grave foi o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ),
no uso de competência própria e exclusiva, ter proferido decisões
julgando nulos os despachos do Juiz de Instrução e ordenando a
destruição de todos os suportes da prova.
Os mecanismos de defesa da democracia e do Estado de Direito
funcionaram. Os juízes de instrução do Departamento de Investigação e
Ação Penal (DIAP) de Aveiro fizeram o seu trabalho e solicitaram em
2009, ao então Procurador-geral, Fernando Pinto Monteiro, a abertura de
um inquérito por suspeita de crime de atentado ao Estado de Direito.
Existiam “fortes indícios da existência de um plano (…) visando o
afastamento de jornalistas incómodos e o controlo de meios de
comunicação social”.
Em gritante contraste com a investigação levada a cabo pelo DIAP de
Aveiro, que encontrara “fortes indícios”, as chefias da PGR e do STJ
concluem que não existem “indícios probatórios” nem “elementos de facto”
da prática do crime de atentado contra o Estado de Direito.
Não havia vestígios, sinais, indicações, ou a menor possibilidade de
existência de crime. Em suma, não havia nada nas gravações que merecesse
ser investigado.
Mais, o Presidente do STJ ratificou a destruição das provas, que
neste caso eram escutas telefónicas. Porque se ordena a destruição de
provas, quando uma decisão prudente aconselhava a que se guardassem,
pois poderiam surgir outros indícios comprometedores que, somados aos
anteriores, resultassem potenciados para efeitos probatórios?
Como efetivamente aconteceu.
Este é o cerne da questão: o crime de atentado contra o Estado de
Direito resulta claramente da acusação formulada no âmbito da Operação
Marquês, e até com contornos mais abrangentes do que fora verificado
pelos juízes de instrução de Aveiro. Para além do controlo da
comunicação social, houve também um plano para controlar o setor
bancário, o mais relevante na economia do país.
A atitude do então procurador-geral perante as investigações de
políticos foi denunciada em 2015 pelo Presidente do Sindicato dos
Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas: “No tempo do Dr.
Pinto Monteiro … não havia grande incentivo para investigar pessoas
poderosas, porque determinadas atuações podiam acabar em prejuízo para a
carreira” … “quem tinha processos mediáticos, como regra, acabava com
um processo disciplinar”.
Neste contexto, vem à memória o episódio do almoço de Pinto Monteiro —
já depois de ter deixado a PGR — com José Sócrates, três dias antes de
este último ser detido. Antes tinha sido apanhado nas escutas da
“Operação Marquês” a aconselhar José Sócrates a acompanhar as buscas
domiciliárias.
O jornalista Fernando Esteves, no seu livro “A Sangue Frio”,
considera que José Sócrates beneficiou da politização do Ministério
Público. Diz que o antigo primeiro-ministro tinha dois cúmplices no
sistema judicial: precisamente o ex-presidente do Supremo Tribunal,
Noronha do Nascimento, e o ex-procurador-geral da República, Pinto
Monteiro. As escutas destruídas provavam-no.
Recordemos que, no crime de atentado ao Estado de Direito, a mera
tentativa é punível e a circunstância de ter sido cometido por titular
de cargo político no exercício das suas funções constitui uma agravante.
Agora que o puzzle resulta finalmente claro, quanto tempo teremos de
esperar pela reinstauração do inquérito ao crime contra o Estado de
Direito, a fim de se perceber por fim o papel destes dois personagens,
altos funcionários judiciais?
Ou será que os juízes estão acima da lei?
Sobre este fenómeno ocorrido no Verão de 2009 e não só, porque o assunto se prolongou depois, com a investigação de outro fenómeno que foi a violação de segredo de justiça no caso Face Oculta, em 24 de Junho de 2009, já escrevi aqui vezes sem conta, principalmente aqui. E outro exemplo:
NoVerão desse ano [2009], eventualmente por altura do escrito, o pSTJ tinha uma
batata quente nas mãos: validar as escutas efectuadas que envolviam o
agora arguido e acusado no processo Marquês e que era suspeito da
prática de um crime de atentado ao Estado de Direito. Que fez Noronha
Nascimento? Não sabendo como descalçar a bota ( foi sempre "civilista",
como Pinto Monteiro) pediu ajuda "técnica" ao actual presidente do STJ
Henriques Gaspar, para despachar o dossier que então tomou o curioso
nome, inédito no direito processual português de "extensão
procedimental", havendo quem assegure que foi por indicação deste.
Alguém lhe pergunte se foi assim ou não...
O que é certo é que tudo ficou em águas de bacalhau, com o agréement do
actual pSTJ.
Portanto se agora for preciso averiguar o que se passou terá que ser o STJ a fazê-lo. E isso é muito difícil porque seria o STJ a investigar um dos seus, inclusivé o actual pSTJ.
Alguém julga que a nossa democracia aguentaria uma coisa destas? Se aguentasse tal significaria que já amadurecera. Mas não aguente e por isso é que um alto magistrado chegou a dizer em conversa particular que não se investigavam estas coisas.
Mas deviam...e talvez a onda engrosse e se chegue à conclusão que tal é necessário para o bom funcionamento das instituições. Por um motivo simples: não deve haver ninguém acima da lei que deve ser igual para todos. E no caso concreto parece que não foi. E isso é prevaricação. Pura e simples.
4 comentários:
Opinião de um simples paisano, ignorante das "sofisticações" daquilo que passa por justiça cá na paróquia : enquanto nascimentos, monteiros, candinhas , etc. não sofrerem as consequências das suas miseráveis acções , a Justiça nunca será levada a sério neste país.
Ora aqui está uma matéria em que convergimos plenamente, embora, claro, eu como aluno e o José como mestre. Aproveito para lhe dizer que o José não tem só uma biblioteca é mesmo uma biblioteca ambulante. Com isso beneficiam aqueles que aqui vêm.
João Pedro
Crime agora é o piropo.
desconheço os meandros das movimentações
deve haver alguma torre de refrigeração a inquinar a magistratura
Enviar um comentário