Em certa altura, Vasco Pulido Valente diz que há quem diga existir uma contradição na Constituição quanto ao estatuto do MP, por ser incompatível que se diga ser o MP uma estrutura do Estado, hierarquizada e ao mesmo tempo, autónoma.
Correia de Campos atalhou logo para dizer que não, porque os magistrados do MP são hierarquizados e diferenciam-se dos juízes que são independentes. VPV insiste, vincando o aspecto hierarquia que se contrapõe em modo antinómico, à autonomia que cada magistrado assume para si mesmo como característica estatutária.
Quem tem razão? Ambos, parcialmente. Mas Correia de Campos não percebe a distinção e a definição de hierarquia que o MP tem e VPV caracterizou melhor.
O MP, mais concretamente os magistrados do MP têm autonomia constitucional ( 221º nº2 da CRP: "O MP goza de estatuto próprio e de autonomia nos termos da lei", é o que diz a CRP).
Portanto, o que significa exactamente a "hierarquia" e que Correia de Campos parece não perceber?
Isto que vem no Estatuto do MP, no artº 76:
1 - Os magistrados do Ministério Público são responsáveis e hierarquicamente subordinados.
2 - A responsabilidade consiste em responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem.
3 - A hierarquia consiste na subordinação dos magistrados aos de grau superior, nos termos da presente lei, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas, sem prejuízo do disposto nos artigos 79º e 80.º.
Para quem souber ler o que aqui está, não pode dizer que a hierarquia do MP é idêntica ao sentido comum de hieraquia no funcionalismo público.
Na prática significa que um magistrado que tem a seu cargo o processo do Freeport ou outro qualquer, tem autonomia para conduzir o processo, sem obedecer necessariamente a quaisquer ordens avulsas que lhe possam ser dadas por um superior hierárquico. E pode um superior hierárquico dar essas ordens como um major o faz em relação a um sargento? Não pode tal e qual, mas pode naqueles termos apertados que a lei refere. E para garantir essa autonomia, o mesmo estatuto, no artº 79, fala nos limites a esses poderes da hiearquia. Assim:
1 - Os magistrados do Ministério Público podem solicitar ao superior hierárquico que a ordem ou instrução sejam emitidas por escrito, devendo sempre sê-lo por esta forma quando se destine a produzir efeitos em processo determinado.
2 - Os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica.
3 - A recusa faz-se por escrito, precedendo representação das razões invocadas.
4 - No caso previsto nos números anteriores, o magistrado que tiver emitido a directiva, ordem ou instrução pode avocar o procedimento ou distribuí-lo a outro magistrado.
5 - Não podem ser objecto de recusa:
a) As decisões proferidas por via hierárquica nos termos da lei de processo;
b) As directivas, ordens e instruções emitidas pelo Procurador-Geral da República, salvo com fundamento em ilegalidade.
6 - O exercício injustificado da faculdade de recusa constitui falta disciplinar.
Portanto, VPV tem razão, mas não a explicou bem. Correia de Campos nem entendeu o que significa o conceito. E foi ministro...