Não obstante, a população sabia ler os jornais e se lhe sonegavam informações ou se evitavam referências à liberdade para alterar o regime, havia variadíssimos exemplos de que a censura não era e não foi o que nos pretendem vender agora as visões da realidade de 1969, com óculos de 2009. Óculos revisionistas e com ópticas usadas desde o tempo da revolução.
Estes exemplos concretos que seguem permitem ver como era na verdade. É caso para dizer que deveriam contar-nos como foi, com a verdade. Toda e não apenas a parcial que o revisionismo prefere.
Na primeira imagem, da Vida Mundial de 10.10.1969, aparece na capa o irmão do ministro da Educação de então, José Hermano Saraiva. O tal que foi interpelado em Coimbra, por um Alberto Martins que hoje defende no Parlamento as ideias políticas do PS. António José Saraiva era da oposição ao regime de Salazar/Caetano. Notoriamente. Segundo a lógica da Visão nunca teria uma capa nem entrevista sequer.

Do mesmo modo, um comunista conhecido e escritor de renome e valor reconhecido também, tinha direito a capa e entrevista na Vida Mundial de 29.6.1973. A Visão acharia estranho, muito estranho e distracção do censor, certamente.


Nesta imagem do Diário de Lisboa de 10.1.1974, aparece a imagem de Mikis Theodorakis, o comunista grego que fala em "resistência armada", na Grécia para derrubar os "ditadores da Grécia" de então. Ao lado escreve-se "Ferroviários em greve", na Inglaterra. Segundo os critérios da Visão estas notícias nunca existiriam.

Nestas duas imagens, da revista Cinéfilo, mostra-se o Portugal cultural em finais de 1973, início de 1974, pouco tempo antes de 25 de Abril. À esquerda, uma imagem de um acontecimento fundamental na música popular portuguesa desse ano: todos os cantores de intervenção com a excepção de dois ou três ( José Mário Branco e Sérgio Godinho, ausentes em França por terem escapado da tropa e Luís Cìlia que cantava Pátria, lugar de exílio). No entanto, José Afonso, Manuel Freire, Adriando Correia de Oliveira, Fausto, Vitorino etc etc, todos de Esquerda comunista, puderam cantar no Coliseu de Lisboa.Não cantaram todas as canções que queriam nem disseram tudo o que pretendiam, porque o Regime não tolerava o comunismo. Mas cantaram. Na mesma altura, na URSS, não havia oposição que se pudesse sequer comparar nem liberdade que se pudesse apresentar pelo menos assim. Os ditos nunca se incomodaram com isso. Nem hoje.
Ao lado, uma entrevista a outro comunista, Mário Castrim, cujas críticas diárias de tv, no Diário de Lisboa, eram um must da época, pela boa escrita e pelas ideias que passavam em entrelinhas.
Na imagem, atrás de Mário Castrim, um quadro de João Abel Manta, representando o "nacional-cançonetismo", termo cunhado por João Paulo Guerra, salvo o erro, e que foi proibido pela censura. Mas aparece ali, à vista de quem o quiser ver e em 1973.


Finalmente, esta imagem do Diário de Lisboa, de 17.1.1974, dá-nos uma ideia do modo como as pessoas pensavam sobre isto tudo.
A uma pergunta do jornal, sobre se se consideravam bem informadas, as pessoas diziam que...não. Não, no que se referia aos acontecimentos nacionais. E sim, nos internacionais. As pessoas não são estúpidas como certos jornalistas podem querer fazer-nos crer.
As pessoas sabiam bem que não lhes diziam tudo o que era preciso e que a Censura era estúpida, mas inevitável. Não podiam dizer abertamente "abaixo a Censura", mas diziam-no de modo implícito. E se o sabiam, também era por causa da ineficácia da mesma. Como se prova pelos exemplos acima.
A Visão actual não pode por isso mesmo, cortar as imagens que passavam apresentando um panorama mais negro do que realmente era. Esse foi o retrato que durou quase 50 anos, mas não foi suficiente para esbater a esperteza e inteligência autóctone. Mesmo que a Esquerda o pretenda.
