quinta-feira, abril 02, 2009

O trombo

Pacheco Pereira acaba de dizer na Quadratura do Círculo, da Sic-Notícias, que em Portugal os bens são escassos e há uma mistura entre interesses e promiscuidade nas pessoas que exercem cargos.
Referia-se ao problema das pressões e influências no caso Freeport.

Tem razão. Um dos maiores problemas do país e no fim de contas a explicação mais natural e correcta para a existência de "pressões" é essa promiscuidade entre quem exerce poderes de Estado e não só.

Todos os casos de escândalo se imbricam nesse ponto: pessoas que se conhecem e que acabam por se favorecerem, algumas vezes com abuso de poder e até com corrupção pura e simples; outras vezes, simplesmente por causa do porreirismo nacional de se conhecerem e acharem que as pessoas são boas, justas e...corajosas.
Espanta ver certas pessoas, com índice intelectual e profissional elevado, a defender autênticos aldrabões que eles próprios não podem deixar de reconhecer como tal, mas que aceitam como modelos de virtudes. Lembro-me instintivamente de Vital Moreira, e outros que causam perplexidade ao vermos como defendem o indefensável, com o maior dos à-vontades, negando a sua própria identidade.

Basta ver em retrospectiva o panorama de alguns desses casos recentes: o Freeport é apenas um deles e basta ver os nomes das pessoas envolvidas, dos familiares e amigos que contam, dos escritórios de advogados que marcam presença, para entender o verdadeiro sentido da palavra "pressão".

Quando os magistrados se cruzam com deputados, governantes e pessoas de poder público, através de amizades espúrias ou de família, de convites e convívios, num gotha que abrange a superestrutura do poder, perdem a sua independência necessária e imprescindível ao exercício da porfissão.
Ontem, numa entrevista televisiva, o cómico Hermann José referia-se à dificuldade em fazer humor em Portugal quando se conhece e convive directamente com aqueles que mandam. Tal circunstância retirou-lhe capacidade de crítica e independência quando dela precisava, tendo de cortar textos escritos por outros, por mencionarem alguns daqueles com quem convivia ou de quem dependia ( bancos, por exemplo).

O problema número um dos magistrados do Freeport, seja do DCIAP, da PGR, ou os laterais, como é o caso do titular do Eurojust, é esse mesmo: como conseguir ser verdadeiramente independente desses titulares de outros poderes, quando se convive com os mesmos, num plano de equivalências, afinidades ideológicas ou até mesmo interesses?

Como é possível ser completamente isento, independente e objectivo quando as amizades e afinidades ideológicas ou políticas no-lo dificultam?

Como é que se resolve este problema que é o maior entrave ao desenvolvimento de um procedimento célere, eficaz, competente e profissionalmente capaz?

Maior do que qualquer pressão externa, é este trombo interno que impede a passagem dessa seiva profissional, necessária e que alimenta a árvore da independência pessoal, imprescindível a essa isenção.

É este o problema do Freeport e de outros processos do género, incluindo os mais mediáticos.

3 comentários:

joserui disse...

negando a sua própria identidade
Interessante. Acha que é mesmo isso? Talvez já não sejam as mesmas pessoas que julga que são, ou conheceu.
Talvez seja verdade aquilo que se diz do poder, que corrompe. Neste ambiente geral nem deve ser difícil.
Enfim, como dizia antes, já nem há adjectivos. -- JRF

Unknown disse...

Na “muche”, Caro José.

Anónimo disse...

Foi pena que Pacheco Pereira ou Lobo Xavier, em resposta às repetidas afirmações se Costa quando diz que umas pessoas se reuniram numa casa para conspirar, não tenham perguntado de imediato quem e como se reuniu poucas horas antes de uma determinada pessoa ser presa. E para quê!

O Público activista e relapso