sexta-feira, novembro 30, 2012

O perfume invisível da corrupção

No fim dos governos de Cavaco e " sus muchachos" o problema da corrupção, fraudes e criminalidade económica em geral apresentava uma dimensão preocupante. Tanto que o Público relatava em 13 de Dezembro de 1994, pelas teclas de Eduardo Dâmaso, um assunto ainda em segredo de justiça:  "dois casos em fase de investigação, existem fortes indícios de corrupção; um outro, a correr na comarca de Penafiel, contempla o apuramento de uma eventual relação entre a emissão de facturas falsas e a construção das casas de dois ministros."  Este caso dos "dois ministros" que evidentemente Dâmaso sabe muito bem de quem se trata, nunca foi devidamente esclarecido. Por dois motivos ou três.

Um deles diz respeito à orgânica e funcionamento da máquina fiscal. Outro diz respeito à legislação e o terceiro ao modo como se investigava a criminalidade de gabinete, em Portugal.
Eduardo Dâmaso continuava: " As facturas falsas representam um crime que serviu para acobertar outras práticas ilícitas, que bem podem estar relacionadas com o financiamento ilegal de partidos políticos, favorecimentos em adjudicações de obras públicas, entre outras. Foi pelo menos, desde a revelação pública de um caso que envolvia as maiores empresas de construção civil- Soares da Costa e Construções Tecnicas, Mota e Companhia- que se gerou no país uma atmosfera de suspeição em relação à forma como foram adjudicadas as principais obras públicas nos anos de ouro do cavaquismo."
As suspeitas de crime de gabinete com as principais empresas de construção civil permitiu ao Público citar anonimamente um "alto dirigente político disse na altura ao Público que vários empresários lhe tinham dito, em tom de ameaça: " se cair alguém, cairemos todos de braço dado."
A História conta agora que não caiu ninguém. Porquê? Porquê?!

Nesse número do Público, aparecia o PGR Cunha Rodrigues a toda o comprimento da página 2 a emoldurar o artigo sobre " o momento zero do combate à corrupção em Portugal". Momento zero? Talvez. Momento zero a que se seguiu outro zero e outro depois disso e mais outro.  Porquê? Porquê?!
O Público explicava a problemática do ponto de vista da autoridade judiciária e do governo:

Era então o discurso da "falta de meios". A PGR, anos depois ( em 1998), perante a pressão mediática e a inoperância do MºPº em encetar o momento zero passando à era digital, explicou no sítio da PGR o que se passava com a incapacidade do MºPº se modernizar...e sobre o processo das tais facturas falsas explicou que "estes casos foram objecto de investigação em dois processos principais: um, foi julgado pelo Tribunal Judicial de Loulé, tendo sido proferido acórdão condenatório, em 8 de Novembro de 1996.
No outro, com origem em declarações públicas de técnicos de informática, foi deduzida acusação em 4 de Maio de 1995, no DIAP de Lisboa, contra 61 arguidos.
Na fase de instrução (requerida pelos arguidos), foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, em 7 de Maio de 1997."
Pouco depois disso, Cunha Rodrigues entendeu por bem  criar o DCIAP. Antes tinha já arranjado um NAT. O despacho de instalação é claro: investigação de crimes graves, designadamente os de gabinete e dos engravatados. Tal já foi explicado em tempos, aqui, do seguinte modo:

"O NAT de Cunha Rodrigues, de há dez anos, desnatou de vez e azedou. Para o complementar,em 1998, com a revisão da lei processual penal, veio o DCIAP, o departamento do Ministério Público, reservado aos grandes casos e processos. O DCIAP, surgiu na esteira de escândalos como o da JAE ( aberto por João Cravinho que denunciava já a corrupção visível e invisível) e para dirigir o sensível lugar de todos os crimes de corrupção, mais a prevenção que se anunciara como imprescindível e milagrosa para debelar o fenómeno e estancar a mancha que alastrava, apareceu Daniel Viegas Sanches, magistrado do MP, vindo do SIS. Em Abril de 2000, numa carta ao Público, a protestar por uma notícia do diário que “punha em causa a dignidade profissional de todos quantos trabalham no DCIAP”, dizia isto que parece espantoso, agora:
O DCIAP não é um órgão de investigação, mas apenas de coordenação e de direcção do inquérito, não devendo sobrepor-se aos órgãos de polícia criminal, eles sim responsáveis pela investigação” .
É evidente que o entendimento que do DCIAP tinha o seu então director era no mínimo...polémico.
Quem é que Cunha Rodrigues escolheu para dirigir inicialmente o DCIAP?  Daniel Sanches. Um magistrado do MºPº muito apreciado por Cunha Rodrigues. 
Fartou-se depressa do cargo ( disse que não tinha meios...e pelos vistos nem vocação tinha para investigar. Só para dirigir...) e saiu. Acabou no PSD e até em ministro da Administração Interna e no SIS. Passou pela nebulosa BPN ( diz que não é e que foi SLN ou coisa assim). Uma coisa é certa: foi convidado para " a política" por Dias Loureiro, o parceiro do tandem musical com Proença de Carvalho. 

Quando saiu deixou um rasto pouco recomendável... 

Pode então perguntar-se como é que  estas coisas da corrupção que não é corrupção mas tem outro perfume mais suave, acontecem. O perfume tem sido cheirado pelas autoridades judiciárias, incluindo o último PGR Pinto Monteiro que andava sempre constipado ( o verdadeiro gato constipado, afinal...) para assegurar que não cheira mal. De facto nem cheira. Em Portugal, disse-o "olhos nos olhos" a actual directora do DCIAP ( sucessora daquele Daniel Sanches) a uns ilustres políticos do PSD: não há corrupção, assim como dizem. Não há, pronto, é a dr. Cândida quem o diz. Tal como Laborinho antes dela e depois dele, Pinto Monteiro. E José Miguel Júdice. E Proença de Carvalho. E Jorge Coelho que também falou nisso em tempos, quando ainda era ministro das polícias.  Não há corrupção em Portugal. Criminal, entenda-se. Estou certo que Ângelo Correia concorda com isto. Há uns jeitos, uns arranjos entre amigos e coisa e tal, mas isso não chega a cheirar mal. É perfume de água de rosas cor de laranja, apenas.

O PCP em 1998, como mostra o Público de 31.5. 1998, pensava e dizia outra coisa sobre o perfume dessa corrupção que não é corrupção. 
O PCP que neste aspecto tem um papel imprescindível de grilo de pinóquio anda ultimamente interessado em "mudar as políticas" e por isso estes assuntos merecem-lhe pouca ou nenhuma atenção. O que lhe interessa sobremaneira é "mudar as políticas" e por isso não veremos tão cedo denúncias tão claras como esta, do tal perfume indizível da vidinha boa e da água de rosas com cor de laranja amarelada.

O falecido José Luís Saldanha Sanches também escrevia sobre estes assuntos, amiúde. E criava por isso mesmo muitos anti-corpos que infelizmente não lhe valeram para o manter vivo num papel que seria sempre de grande valor porque era corajoso e valoroso, nesse aspecto. 
Num Expresso dos anos dois mil (não anotei a data do recorte) escrevia assim sobre um determinado efeito a propósito do perfume que não se sente nem se cheira mas que existe, existe...

Em 2005, António Barreto no Público mostrava o que sentia com esse perfume invisível:


4 comentários:

miguel disse...

http://www.jn.pt/PaginaInicial/Politica/Interior.aspx?content_id=2919358

Se então havia corrupção,hoje não está melhor.

Karocha disse...

Estão refinados, Miguel!!!

Floribundus disse...

da actividade 'zero' do cunha ouvi um juíz a quem chamava Max,

cravinho entalou o rectângulo nas estradas e não só.

proença & dias são verdadeiros artistas.

o carvalhassss estava mais intressado na melga. conhecia as 'estórias' deste vizinho.

quando se falava em major era valentim do 'pito dourado'.

Barreto virou D. Quixote ao abandonar o ps.

tanto quanto sei do que se lê e ouve: perante coelhones, varas, penedos, sucateiros, construtores, banqueiros, vitinho, os restantes homúnculos eram simples amadores.

lusitânea disse...

A nossa classe política abre portas a uns e covas a outros, a maioria...
Eles não gostam de generalizações mas como ninguém se destaca do "esquema", salvo umas raríssimas excepções...
Portugal só se endireitará quando a Lei for de facto igual para todos.
Mas como já deixei de ter esperança só desejo que o regime seja deitado abaixo.Acabar com os direitos adquiridos como diz o 1º...

A obscenidade do jornalismo televisivo