sábado, maio 30, 2020

O director da PJ precisa urgentemente de lições de direito constitucional e penal

Luís Neves, o director nacional da PJ que terá feito queixa ao director do DCIAP acerca do desaforo em se ouvir umas excelências políticas, num processo criminal, deu uma entrevista sem interesse de maior ao Diário de Notícias, o jornal falido que recebe agora ajudas do Estado em publicidade que ninguém lê.

Numa página da entrevista diz algo inacreditável para quem devia ter noções mínimas de direito e processo penal:

"Vamos lá a ver, isto é assim: a polícia investiga, o MP acusa, defende a acusação e os juízes julgam."



Não é nada assim, senhor director da PJ. Mesmo nada. No nosso sistema jurídico constitucional, quem investiga é quem dirige a investigação criminal, quem tutela o processo criminal, quem detém a exclusividade da acção penal. A polícia auxilia nessa tarefa, assiste quem investiga.

E isso di-lo claramente a lei e está muito bem explicado no sítio do Ministério Público em poucas frases que destróiem por completo aquela asserção manifestamente ignorante e perigosa de quem dirige a principal polícia de investigação no país:

Na estrutura do Código de Processo Penal/CPP, o Ministério Público é o titular da ação penal. A notícia do crime é sempre transmitida ao Ministério Público/MP, a quem compete a direção do inquérito, assistido pelos órgãos de polícia criminal, estando apenas, reservada ao juiz a prática de atos que se prendem com a direta observância das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos.

O MP intervém em todas as fases do processo penal, competindo-lhe, nos termos do artigo 53.º do CPP, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade»

Constituem funções específicas do MP: a recepção de denúncias, queixas e participações e apreciação do respectivo seguimento; a direção do inquérito; a prolação de despacho final que termine o inquérito por acusação, por arquivamento ou por qualquer meio legalmente consagrado de consensualização; a sustentação da acusação na instrução e no julgamento; a interposição de recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa; e a promoção da execução das penas e das medidas de segurança.

Findo o inquérito, se concluir pela existência de indícios probatórios suficientes da prática de crime e da identidade do seu autor, o MP profere acusação.

Por outro lado resulta claríssimo que o papel do MºPº é a investigação não apenas para acusar mas para descobrir a verdade material, o que implica a investigação contra e a favor do arguido, se o houver. E daí o número avassalador de arquivamentos relativamente a acusações.

Ainda por outro lado, o MºPº não tem que defender acusações à outrance, logo que se convence que o arguido não cometeu os factos que estão acusados e tal resulte da discussão pública em julgamento. Tem que ser objectivo e colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e realização do direito.

É muito lamentável que um director da polícia não saiba isto que um estagiário é obrigado a saber. Muito lamentável e grave, porque não se trata apenas de uma simplificação ou de resumo, antes revela uma mentalidade distorcida  e perversa, além de errada, do papel que desempenha.

Talvez venham daí algumas perplexidades no que tem feito ultimamente...

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