terça-feira, maio 26, 2020

O banco Espírito Santo de Salgado e companhia

Artigo do jurista José Manuel de Oliveira Antunes, no Observador:

"Os interesses fundamentais do Estado, relativos à independência nacional, à unidade, à integridade e segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional, estão protegidos pelo Regime Jurídico do segredo de Estado, aprovado pela Assembleia da República, na sua versão mais recente em 2014. A lei enuncia quais os documentos, as matérias e as informações, abrangidos pelo regime do segredo de Estado, cujo conhecimento por pessoas não autorizadas, é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado. Lei acessível a todos, através de qualquer motor de busca ou no sítio do Diário da República, a sua leitura, por qualquer cidadão, mesmo sem formação jurídica, só pode levá-lo a concluir que o contrato de venda do Novo Banco ao Fundo Lone Star, não preenche nenhum requisito, que legalmente o possa classificar como segredo de Estado.

Então, porque não é esse contrato do conhecimento público, apesar dos reiterados pedidos da sua divulgação? A primeira possível resposta, seria que se trata de um contrato entre privados, nos quais o Estado, apenas empresta dinheiro a uma das partes – o Fundo de Resolução – que se comprometeu a devolver-lho, com juros, daqui a umas décadas. Tal argumento não tem qualquer validade. Não estamos perante um contrato entre privados. O Fundo de Resolução é uma pessoa coletiva de direito público, embora dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com tantas centenas de outras entidades, obrigadas inclusive a publicitar os seus contratos, no Portal dos Contratos Públicos.

A segunda hipótese, é o próprio contrato conter disposições sobre dever de sigilo, por parte dos contratantes, prevendo inclusive penalidades, pela violação dessa clausula contratual. Mas essa disposição só é vinculativa para as partes. Portanto o contrato pode ser divulgado por terceiros, que a ele tenham legitimamente acesso. E essas entidades são várias. Portanto não o divulgam, simplesmente porque não querem.

A RTP 2, está a transmitir uma série de documentários, sobre “As maiores mentiras da História”. O episódio mais recente, contava como nos anos 70 do século passado, dois figurões, um belga e um italiano, burlaram a poderosa petrolífera ELF e todo o Estado francês, vendendo uma ideia de prospecção de petróleo através de “sondagens por avião”. Não se riam. O Estado francês, gastou nisto 1000 milhões de francos, com resultado zero na descoberta de carbonetos. As responsabilidades, apesar de todos os inquéritos parlamentares, ficaram com o mesmo resultado da burla: zero de responsabilidades.

A solidez do Grupo Espírito Santo, sabe-se hoje, foi uma continuada ficção desde a sua reprivatização em 1991 e deveria constar da lista das maiores mentiras, pelo menos da história de Portugal. Tal como o belga e o italiano com os carbonetos fantasmas, aqui o expediente foi comprar um Banco, para o qual não tinham nem capacidade, nem dinheiro, para que, montada a ficção, umas centenas de pessoas da mesma família, vivessem (estas sim) acima das suas possibilidades e talentos, nem que para isso fosse necessário, vender xarope para fazer crescer o cabelo.

Para imaginar a razão pela qual os cidadãos nunca irão saber o que se passou afinal com a novela do BES, seja o velho, o novo, o bom, o mau, o vilão, o péssimo, ou o abutre (para além de ser “uma grande aldrabice”, como acusava uma indignada mãe a António Silva no Pátio das Cantigas de 1942), vem a propósito um pequeno trecho duma crónica de Maio de 2018, do recentemente desaparecido José Cutileiro: “Quase meio século depois, os laços entre centro e periferia – entre Estado e povo — tinham cristalizado. Quanto ao que chamamos corrupção (termo que não era usado) em câmara municipal alentejana que conheci bem as coisas passavam-se assim. Quando o camponês, pequeno comerciante ou artífice tinha de lá ir, se o assunto fosse tratado a nível baixo, a gorjeta era 25 tostões; a nível alto, 5000 réis. Dentro do funcionalismo, porque presidente e vereadores, todos da mó de cima, não constavam da tabela. Trocavam favores.”

Onde está a câmara alentejana, ponha o Estado. Troque os tostões por euros e multiplique por muitos. Os favores, esses são os do costume."

Não conheço este jurista que escreve assim. Parece que percebe de contratação pública e não é um desses jornalistas borra-botas que percebe de tudo e mais um par das ditas. 

O artigo pergunta porque razão não se publica um contrato que cedeu a uma empresa privada direitos importantes num banco que tem sido um sorvedouro de dinheiros públicos, por causa desse mesmo contrato. 
Por outro lado contém uma afirmação polémica ainda mais interessante: o BES da família Espírito Santo Salgado foi sempre um bluff e nunca teve capital suficiente para ser dono de quase nada, tendo sido de quase tudo. 
Este paradoxo carece de explicação que se obtém conhecendo a história do banco e do modo como ressurgiu no início dos anos noventa após a nacionalização operada em 1975. 

Uma coisa parece certa: teve o apoio de um tal Mário Soares. E de  um certo Crédit Lyonnais [errado, foi este: Caisse Nationale du Crédit Agricole]. E tal sucedeu assim:

1975 Nacionalização das instituições de crédito e de seguros nacionais.
1976 Constituição do Grupo Espírito Santo, sob a liderança de Manuel Ricardo Pinheiro Espírito Santo Silva. 1986 No ano da adesão de Portugal à CEE o Grupo Espírito Santo, em parceria com a Caisse Nationale du Crédit Agricole, funda o Banco Internacional de Crédito em Lisboa.
1991 Início da privatização do BESCL. O Grupo Espírito Santo, em parceria com a Caisse Nationale du Crédit Agricole, recuperou o controle do Banco. Constituição da Crediflash (cartões de crédito) e aquisição da ESER - Sociedade Financeira de Corretagem.
1992 O BESCL passa a operar no mercado espanhol após a aquisição do Banco Industrial del Mediterráneo, designação posteriormente alterada para Banco Espírito Santo (Espanha). Criação da ESAF – Espírito Santo Activos Financeiros, holding que enquadra a actividade de gestão de activos financeiros do Grupo.


Depois disso, em pouco mais de vinte anos "alavancou-se" para conforto da famiglia alargada de beneficiários directos e indirectos. 

Tal como escreve o articulista, "trocavam favores" e muitos deles ainda são secretos. 

Ricardo Salgado devia escrever as suas memórias. Com verdade, claro está se não nem seriam memórias mas apenas histórias da carochinha.

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Megaprocessos...quem os quer?