sábado, maio 02, 2020

O presidente do STJ fala ao povo...sobre juízes e tribunais.

O juiz Conselheiro, presidente do STJ e por inerência do CSM, Joaquim Piçarra concedeu entrevista extensa ao Observador em que fala de diversos assuntos e não mascara muito as palavras, ao contrário de alguns que o fariam de bom grado por lhes ser inerente ao estilo.
Da entrevista respigam-se as passagens relativas à "corrupção" na magistratura, reduzida a alguns casos e também sobre o que pensa do TCIC e dos juízes que lá estão como titulares.
Sobre isto diga-se já: é contra o tribunal, defende a sua extinção e quanto aos juízes respeita a idiossincrasia de ambos, respondendo como deve ser, ou seja, cada um é como é e merecem igual respeito por tal se revelar sinal de independência. Tomara que seja sincero, mas...fica a dúvida.

De resto, a passagem de Joaquim Piçarra pelo STJ e CSM, depois de um inenarrável Noronha Nascimento e um titubeante Henriques Gaspar, revela-se algo anódina e sem relevo de maior.
Houve apenas um ou outro episódio em que mostrou ao que vinha e porque estava lá: o caso do juiz Carlos Alexandre, por causa da entrevista à tv,  em que defendeu a instauração de processo disciplinar ao mesmo, alinhando na corrente contrária do que refere acerca da idiossincrasia dos juizes do TCIC . Ou seja Piçarra foi maria vai com as outras que alinham no politicamente correcto do momento. Independência de juízes, nisto? Enfim, uma ilusão.
Quando teve oportunidade e autoridade para marcar a diferença absteve-se de tal e alinhou na onda populista do mar encapelado contra o poder judicial, surfando o momento.
Esteve ainda pior no caso Neto de Moura, contribuindo para  trucidar profissional e pessoalmente um magistrado que lhe deveria merecer respeito precisamente nesses aspectos, por saber que tudo o que lhe fizeram mediaticamente foi injusto e portanto confirmar disciplinarmente uma injustiça é precisamente isso, uma ignomínia .
Portanto, Piçarra não deixa saudades nenhuma como juiz do STJ porque tem sido um juiz banal, sem categoria especial. Apesar disso não lhe falta a arrogância contida mas presente em muitos juízes, o que ainda o desvaloriza mais.

Quanto à sua particular visão do que significa verdadeiramente a corrupção na justiça de topo, a redução aos casos patológicos dos rangéis e neves da vida judicial, por lentilhas  de favores monetários avulsos, ou nem sequer,  deixa de fora o inner sanctum da verdadeira corrupção que se manifesta noutra área muito mais perigosa que a desses maltrapilhos do poder judicial: a da corrupção política e sistémica, traduzida no respeitinho sentido e praticado pelos juízes de topo relativamente a certos personagens e figuras do poder político e principalmente sempre que há processos ou juízes que contendem de modo sério com o "sistema".
Este "sistema" engloba a rede de contactos, de interesses avulsos e de opções político-partidárias de influência que determinam a vida profissional e carreira de alguns.
Ou seja, tudo o que denega a independência e isenção real da judicatura. Sobre isso, nem uma palavra. Provavelmente porque nem percebe do que se trata. Ou prefere não perceber, o que será pior. 

Observador: 

Vamos abordar a Operação Lex. A juíza Fátima Galante já tinha sido acusada em 1997 de corrupção passiva mas o Tribunal da Relação de Lisboa nem sequer a pronunciou então para julgamento, ao contrário de um solicitador seu cúmplice que foi condenado. Agora vê-se envolvida num novo caso com o seu ex-marido Rui Rangel. O que mudou na Justiça para só agora ser possível esta ação do Conselho Superior da Magistratura?

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) teve durante muitos anos a seguinte orientação: sempre que houvesse um processo-crime, os processos disciplinares ficavam a aguardar a decisão criminal. A formação atual do CSM teve um entendimento diverso: os processos disciplinares têm autonomia relativamente aos processos-crime por terem objectos completamente distintos. Nos processos disciplinares visa-se apurar se há uma uma violação dos deveres funcionais dos juízes — e não qualquer responsabilidade criminal. Portanto, atenta a gravidade da situação, o Conselho entendeu que neste caso muito particular não seria de ficar a aguardar a decisão do processo penal e avançou com os processos disciplinares.

Havia sinais exteriores de riqueza de Rui Rangel que eram muito comentados nos bastidores da Relação de Lisboa. Houve alguma proteção da magistratura em relação ao juiz Rui Rangel?

Nunca exerci funções na Relação de Lisboa e nunca tive nenhuma relação com o juiz Rui Rangel. Enquanto estive no CSM, e esta já é a terceira vez que faço parte do Conselho, posso garantir que não me chegou nenhuma referência sobre esse aspeto.

Nunca lhe chegou nenhuma queixa?

Nunca. Ouvia falar, ouvia falar…
É expectável que exista uma acusação na Operação Lex. O senhor pode garantir que os tribunais serão exemplares em termos de celeridade na apreciação deste processo, tendo em conta que estão envolvidos vários juízes?

Não sei se haverá acusação. Se houver acusação, não tenho a mínima dúvida que os juízes, sejam eles quem forem, assegurarão a realização da justiça com toda a isenção e imparcialidade. O facto de arguidos serem magistrados não vai interferir absolutamente em nada. Apenas por ser uma demissão é executada de imediato e já foi publicada em Diário da República. Portanto, ele já nem pode invocar a a qualidade de magistrado.
Neste momento, Rui Rangel já não tem estatuto de magistrado. É um ex-magistrado.

É um ex-magistrado. Ao contrário da dra. Fátima Galante, que teve a pena disciplinar de aposentação compulsiva e continua a ter direito à pensão que lhe foi atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, de acordo com os descontos que realizou.

A Operação Lex também investiga mais três juízes desembargadores: Luís Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, que sucedeu a Vaz das Neves e foi obrigado a demitir-se, e Rui Gonçalves. O processo disciplinar contra o Rui Rangel e Fátima Galante demorou três anos a produzir resultados. Consegue assegurar uma maior rapidez na decisão do CSM sobre estes três desembargadores?

Não lhe posso adiantar absolutamente nada sobre isso. O processo disciplinar tem um prazo de instrução máximo de 60 dias — que é prorrogável. Os processos foram instaurados numa deliberação de 3 de março mas o prazo só começa a contar após a nomeação do inspetor que o vai dirigir. Ainda está a decorrer o prazo até porque o prazo foi suspenso também com esta crise pandémica.

Como já reconheceu várias vezes, a imagem da Justiça ficou seriamente abalada com o caso.

Continuo a confiar que a macieira continua a ter boas maçãs. Não é o facto de existirem quatro ou cinco maçãs podres que irão contaminar todas as outras. Posso garantir que os juízes são, na grande maioria pessoas, pessoas isentas, probas, dedicadas, empenhadas, séria e honestas em quem os cidadãos podem confiar. Aliás, aprendi isto com um juiz muito antigo com quem tive o privilégio de trabalhar: um juiz é acima de tudo um homem sério.
(...)

Qual é o balanço que faz do Tribunal Central de Instrução Criminal? Acha que era importante reformar o tribunal e alargar o quadro de juízes?

Na altura em que foi criado o Tribunal Central de Instrução Criminal, os juízes de instrução não estavam disseminados pelo país. Mais: quem fazia a instrução normalmente eram juízes em início de carreira. Hoje qualquer juiz de instrução em Lisboa, Porto ou Coimbra terá as mesmas qualificações que os juízes que exercem funções no Tribunal Central de Instrução Criminal. Portanto, se não houver a criação de um tribunal do género da Audiência Nacional espanhola, não vejo interesse na manutenção do Tribunal Central de Instrução Criminal. Poderia, quanto muito, ocorrer uma fusão com o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e em vez do atual quadro de 10 juízes, este tribunal passaria a ter 12 juízes. Se é certo que me dizem que a especialização e o saber adquirido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal perde-se, também é certo que toda a polémica criada pela violação do princípio do juiz natural ficaria automaticamente solucionada.

Mas não houve nenhuma violação do juiz natural no Tribunal Central de Instrução Criminal. Quem o disse foi o próprio Conselho Superior da Magistratura.

Isso já ficou esclarecido: para mim não há nenhuma violação do juiz natural.

(...)

Não lhe deve agradar muito que os dois juízes que refere representem o dia e a noite, tão opostas que são as suas visões da lei.

Não sei se eles têm uma visão tão oposta quanto se faz crer mas até nisso revelam que a magistratura não tem apenas uma única visão. São dois juízes com mundividências diferentes. Se isso tem aspetos negativos também tem aspetos positivos, porque demonstra a independência quer de cada um deles quer do sistema judicial, que dá total independência decisória a todos os juízes.

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