domingo, abril 03, 2011

É a Esquerda, seu palerma!

Estas imagens são do jornal Expresso de 1984 ( 10 e 24 de Novembro). Que nos dizem elas , semioticamente relevante, para os dias que correm? Quanto a mim, muito simplesmente que o sistema político que gerou os governos que temos tido, não resolve os nossos problemas estruturais, antigos e profundos. E que em 1974 não eram os mesmos. A Economia era diferente e funcionava de modo diverso. Tenho lido coisas, incluindo o pequeno livrito de Luciano Amaral, publicado pelas edições "Pingo Doce", aliás muito interessante e não consigo entender como não se discute o passado. Antes de 1974, quero dizer.

Temos uma classe política maioritariamente de Esquerda e com os defeitos que tal implica, sem que as qualidades esperadas por todos , dessa mesma Esquerda, se destaquem. É s+o desgraça económica em cima de desgraça económica. E os próceres dessa mesma Esquerda que engloba naturalmente o "socialismo democrático" que de Esquerda já muito pouco tem para além do rótulo, continuam a aposta nos mesmos cavalos perdedores.
Provavelmente, a análise deveria ser mais inefável e incluir outros factores e variáveis e estudos estatísticos à ilharga.
Porém, neste exercício de sociologia de bolso, empírica e desprezada pelos poderes que existem, serve. Para mim, serve porque não encontro quem a conteste nem sequer quem a desminta em modo convincente.
Hoje na última página do Público, podemos ler em posição "ascendente" um dos autores da nossa miséria, Mário S. que é sempre mostrado como figura de referência e relevo de sapiência. No caso , por se ter vangloriado de não ter medo do FMI porque lidou com a entidade duas vezes! E isso é apresentado como um feito!
É este parolismo de jornais como o Público que me derrotam a confiança que poderia ter nos eleitores portugueses. Os editorialistas do jornal vivem a fantasia da Esquerda, ainda. E muitos como eles, da classe média, pensam assim. É o nosso drama maior, quanto a mim. Não há substracto ideológico que se diferencie dessa mentalidade que já é ambiental. Uma tragédia, mais que um drama.

Que podemos ler nesses dois jornais de Novembro de 1984, altura em que atravessávamos uma crise política e social parecida com a que temos hoje? Que nos dizem as lições da História? Quem são os personagens?
Começando pelo fim, os personagens são quase os mesmos de hoje e se não são, as ideias são-no com certeza.
O Expresso era então dirigido por José António Saraiva que hoje dirige o Sol. Vicente Jorge Silva que vice-dirigia, dali a meia dúzia de anos estava a dirigir o Público. Quem é que eles colocaram na primeira página como motivo de notícia? O Bloco Central, em cheio.
Almeida Santos, que era ministro de Estado e falava da crise entre o PS e o PSD, onde se discutia então a oportunidade de mudar Mota Pinto por...Rui Machete. E porquê? Porque, segundo escreve o jornal na segunda página, "PS e PSD falam de coisas diferentes". Como hoje, aliás.

Quais eram as questões essenciais nessa altura? Segundo Almeida Santos, a discussão do Orçamento de Estado para 1985, a discussão com o FMI, a discussão da Lei das Rendas e...pedir mais sacrifícios aos portugueses. E aponta os sucessos do governo de bloco central: redução do défice da balança de transacções correntes; redução em 5% do ritmo do endividamento externo; elevação para 65% a cobertura das importações pelas exportações e a contenção da inflação. E á custa de quê,?- pergunta o jornal. À custa de sacrifícios, responde A. Santos, o epítome destes mais de 30 anos de democracia. Não é Mário S. esse epítome. É precisamente este Almeida Santos, o figurão que precisa de ser respescado para a ribalta do opróbrio. Um indivíduo que fez uma carreira com retórica, paleio, substância corrompida por ideias desfeitas.

Depois ao lado, na página, temos Mário S., sempre o mesmo e então com uma sondagem que o garantia como "o oposto do presidente ideal". Ditto. E viu-se depois como foi. Em dez anos, Mário S. tornou-se o modelo de presidente...mas seria interessante saber quem o colocou no pedestal. A minha opinião é simples: os media, adulados e objectivamente corrompidos pelo mesmo Mário S. Uma ligação espúria que nos falsificou o ambiente político e condicionou politicamente porque fez prevalecer a ideia de uma "Esquerda" associada ao PS como super cola democrática. AInda hoje persiste e ainda hoje ganha eleições.
E porquê? A resposta vem também na primeira página do jornal. José Manuel Tengarrinha, do então MDP, personagem histórico do 25 de Abril de 74, pouco falado actualmente, mas com um papel determinante nos meses a seguir, ideologicamente. Colocado perante a questão, durante um repasto no Pabe ( onde o Expresso entrevistava então personagens da nossa vida política), sobre o relacionamento com o PCP, com quem se aliara tacticamente nas eleições para o Parlamento, Tengarrinha tergiversava em explicações retóricas. A questão era a possibilidade de diálogo com o Governo. O MDP admitia; o PCP nem pensar.
E em sobremesa interrogava-se então Tengarrinha, antes da queda do muro de Berlim, sobre o que era o marxismo. Tengarrinha já não sabia porque citava nas suas dúvidas os pc´s da URSS, da Itália, da Finlândia. O que Tengarrinha sabia, no entanto é que era de Esquerda. Isso, sim. E nada mais. Desejava uma "democracia socialista". Como aliás estava na Constituição.

Esta discussão política, em Portugal durou ainda mais uns anos. Moldou sempre toda o nosso espectro eleitoral, os partidos eleitos, os governos escolhidos por esses partidos. E por consequência todas as políticas, incluindo naturalmente as económicas, nos anos vindouros.

No ano seguinte, por isso mesmo, o jornal pelas teclas de José Manuel Fernandes ( sim, esse mesmo)interrogava-se sobre o futuro, para 1985. E o futuro era negro. Depois das promessas daquele personagem sinistro da política portuguesa ( Almeida Santos é porventura o mais pernicioso de todos os políticos que já tivemos, na minha modesta opinião que explicarei se necessário for) tínhamos pela frente uma ano pior do que os dezoito meses anteriores. Os PEC na altura chamavam-se "Planos de Estabilização", em modo mais restrito. Conforme se lê, "os preços dispararam, o poder de compra baixou, restringiram-se as importações e lançaram-se impostos extraordinários para minorar o défice orçamental." A inflação estava nos 30%! É imaginar as fortunas que se fizeram em especulação, nesses anos e os desequilíbrios sociais que tal suscitou.

Por isso mesmo o título da reportagem: "A crise continua...sem luz no fundo do túnel".

Exactamente tal como hoje.

E quem aparece em citação de intervenção, no artigo? Vítor Constâncio, monsieur constant, nesta política à portuguesa e outro personagem repelente da mesma. E que diz monsieur Constant? Isto que é de chorar, sem rir:

" Talvez se tenha ido longe demais, talvez se verificasse uma situação de overdose".
E que dizem outros- "meios ligados à banca"- ? Isto:

" O que me preocupa já nem sequer é a situação das empresas que estava com a corda na garganta. O que é verdadeiramente dramático é que muitas outras, que eram excelentes unidades industriais, sólidas e saudáveis também começam a ficar aflitas porque o mercado interno quase desapareceu."

Estas questões eram prementes em 1984. Em 2011, repetem-se, apesar da "década prodigiosa" de 1995-2005 . O que aconteceu, entretanto para aqui chegarmos?

É o que veremos em seguida.

Portanto, "à suivre", como diziam os franceses da banda desenhada. "Continua" , escrevia o Tintin português.

PS: escrevi como título, "É a Esquerda, estúpido!" Mudei para o que está porque me soava a anglicismo. Não se diz em português, "estúpido", dessa forma. Diz-se antes, palerma. Que é o que temos sido.

Questuber! Mais um escândalo!