O Diário de Notícias de hoje, em mais uma acção meritória do jornalismo nacional ( sans blague) publica uma reportagem desenvolvida sobre as...Fundações.
Ao longo da reportagem de sete páginas sobre o assunto, fica a saber-se algo a propósito da polémica gerada sobre diversas fundações, como a Fundação para as Comunicações Móveis que suscitou um inquérito parlamentar, no decorrer do qual diversos políticos manifestaram a vontade de alterar o regime jurídico das fundações.
Mas falta um elemento essencial na reportagem e que denota a velha pecha do jornalismo português: escrever sobre um assunto sem fornecer o enquadramento explicativo do mesmo. Noticiar, mesmo em reportagem, acontecimentos concretos implica necessariamente um entendimento sobre o modo como surgem e o contexto em que surgem e esse é o segredo do bom jornalismo se for realizado com isenção suficiente. O D.N. nesta reportagem não o faz.
Não explica por exemplo, o que é uma fundação e em que consiste juridicamente. Não precisava sequer de consultar manuais de Direito com pó nas lombadas, mas seria essencial que o jornalista percebesse Direito para tal.
Assim, sobra o "lead" fatal que interessa sempre ao jornalismo "jobs for the boys são vergonha das fundações", citando Freitas do Amaral.
E então o que são as fundações para um leigo qualquer entender e contextualizar?
São, antes do mais pessoas colectivas. Tal como as sociedades comerciais o são. Só que estas são corporações ( sim, não são apenas os corpos profissionais...) .
O que as distingue no entanto, será a diferença no modo de constituição, objecto e funcionamento. Os juristas falam a propósito das duas ( corporações e fundações) no "substracto".
Este substracto, numa fundação é constituído por um património, um conjunto de bens adstrito pelo fundador ( que pode ser pessoa singular ou colectiva) para uma finalidade social. O fundador estabelece as regras de funcionamento e fica fora dela porque a fundação é governada de fora, pela vontade do fundador plasmada em estatutos. Os administradores devem obediência às regras assim previamente definidas pelo fundador.
Uma sociedade comercial, uma corporação, como é bom de ver, tem um funcionamento e uma lógica bem diversas, desde logo porque o substracto das mesmas é integrado não por um património mas por um conjunto de pessoas singulares que visam um interesse comum, eventualmente egoístico e de lucro, podendo ser altruista no caso das associações.
São estas noções que se encontram em manuais como o do falecido professor Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, cadeira a que chumbei merecidamente e com uma discussão "filosófica" com Calvão da Silva, no longínquo ano de 1977).
Esta noção básica do que é uma fundação ( e há outros elementos que poderiam acrescentar-se porque simples de entender, como é o "reconhecimento" que confere personalidade jurídica às fundações e é o seu elemento de direito) não é dada no artigo e não há desculpa para tal porque esta sonegação de informação, corrente no jornalismo português parte de uma ignorância de base, uma arrogância sustentada em auto-suficiência e uma negligência pela informação de qualidade que não se vê em publicações estrangeiras de prestígio.
Além disso não se explica o porquê do interesse em se constituir uma fundação e é simples de entender: benefícios fiscais e outros interesses "altruistas", incluindo o emprego de apaniguados, claro está. Sem controlo público de vencimentos, regalias e outros perks.
Quanto ao que interessa a propósito da reportagem, torna-se essencial perceber que as fundações constituíram-se em refúgio de alguns oportunistas da coisa pública. A essência de uma fundação em alguns casos de origem no próprio Estado suscita grandes suspeitas e é denunciada por Freitas do Amaral no título do lead: meros refúgios de "jobs for the boys".
Como é que este assunto pode complementar-se para se conhecer melhor o que se passa? Através da leitura preciosa deste documento do Tribunal de Contas. Está aí tudo o que é preciso saber sobre as fundações nacionais, o que significam, o número existente -Freitas do Amaral diz que não sabe se existem 600 ou não, mas o TC elencou 817 no ano de 2010 e só da responsabilidade da presidência do Conselho de Ministros, pelo tal "reconhecimento" haverá 162!.
Também nesse relatório se diz que houve ao longo dos anos, várias tentativas de disciplina jurídica e regulamentar do "sector " ( com tão grande número já é um sector): em 1999, com Rui Alarcão ( da Universidade de Coimbra); em 2003 com Rui Machete, outro "Sombra" do bloco central e agora em 2008, com Freitas do Amaral, o único que aparece a disparar contra o Governo que não lhe liga patavina à sua obra-prima desconhecida do grande público e que é o anteprojecto de lei quadro das fundações.
Para dar visibilidade ao seu protesto e porque desde há uns tempos para cá mudou de agulha política, como já aconteceu ao longo da sua vida pública, Freitas do Amaral dá o tiro de aviso: as fundações que temos, particularmente as incentivadas ou até criadas pelo Estado, são uma vergonha.
É esse o lead que interessa. E parece que nada mais.
Ao longo da reportagem de sete páginas sobre o assunto, fica a saber-se algo a propósito da polémica gerada sobre diversas fundações, como a Fundação para as Comunicações Móveis que suscitou um inquérito parlamentar, no decorrer do qual diversos políticos manifestaram a vontade de alterar o regime jurídico das fundações.
Mas falta um elemento essencial na reportagem e que denota a velha pecha do jornalismo português: escrever sobre um assunto sem fornecer o enquadramento explicativo do mesmo. Noticiar, mesmo em reportagem, acontecimentos concretos implica necessariamente um entendimento sobre o modo como surgem e o contexto em que surgem e esse é o segredo do bom jornalismo se for realizado com isenção suficiente. O D.N. nesta reportagem não o faz.
Não explica por exemplo, o que é uma fundação e em que consiste juridicamente. Não precisava sequer de consultar manuais de Direito com pó nas lombadas, mas seria essencial que o jornalista percebesse Direito para tal.
Assim, sobra o "lead" fatal que interessa sempre ao jornalismo "jobs for the boys são vergonha das fundações", citando Freitas do Amaral.
E então o que são as fundações para um leigo qualquer entender e contextualizar?
São, antes do mais pessoas colectivas. Tal como as sociedades comerciais o são. Só que estas são corporações ( sim, não são apenas os corpos profissionais...) .
O que as distingue no entanto, será a diferença no modo de constituição, objecto e funcionamento. Os juristas falam a propósito das duas ( corporações e fundações) no "substracto".
Este substracto, numa fundação é constituído por um património, um conjunto de bens adstrito pelo fundador ( que pode ser pessoa singular ou colectiva) para uma finalidade social. O fundador estabelece as regras de funcionamento e fica fora dela porque a fundação é governada de fora, pela vontade do fundador plasmada em estatutos. Os administradores devem obediência às regras assim previamente definidas pelo fundador.
Uma sociedade comercial, uma corporação, como é bom de ver, tem um funcionamento e uma lógica bem diversas, desde logo porque o substracto das mesmas é integrado não por um património mas por um conjunto de pessoas singulares que visam um interesse comum, eventualmente egoístico e de lucro, podendo ser altruista no caso das associações.
São estas noções que se encontram em manuais como o do falecido professor Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, cadeira a que chumbei merecidamente e com uma discussão "filosófica" com Calvão da Silva, no longínquo ano de 1977).
Esta noção básica do que é uma fundação ( e há outros elementos que poderiam acrescentar-se porque simples de entender, como é o "reconhecimento" que confere personalidade jurídica às fundações e é o seu elemento de direito) não é dada no artigo e não há desculpa para tal porque esta sonegação de informação, corrente no jornalismo português parte de uma ignorância de base, uma arrogância sustentada em auto-suficiência e uma negligência pela informação de qualidade que não se vê em publicações estrangeiras de prestígio.
Além disso não se explica o porquê do interesse em se constituir uma fundação e é simples de entender: benefícios fiscais e outros interesses "altruistas", incluindo o emprego de apaniguados, claro está. Sem controlo público de vencimentos, regalias e outros perks.
Quanto ao que interessa a propósito da reportagem, torna-se essencial perceber que as fundações constituíram-se em refúgio de alguns oportunistas da coisa pública. A essência de uma fundação em alguns casos de origem no próprio Estado suscita grandes suspeitas e é denunciada por Freitas do Amaral no título do lead: meros refúgios de "jobs for the boys".
Como é que este assunto pode complementar-se para se conhecer melhor o que se passa? Através da leitura preciosa deste documento do Tribunal de Contas. Está aí tudo o que é preciso saber sobre as fundações nacionais, o que significam, o número existente -Freitas do Amaral diz que não sabe se existem 600 ou não, mas o TC elencou 817 no ano de 2010 e só da responsabilidade da presidência do Conselho de Ministros, pelo tal "reconhecimento" haverá 162!.
Também nesse relatório se diz que houve ao longo dos anos, várias tentativas de disciplina jurídica e regulamentar do "sector " ( com tão grande número já é um sector): em 1999, com Rui Alarcão ( da Universidade de Coimbra); em 2003 com Rui Machete, outro "Sombra" do bloco central e agora em 2008, com Freitas do Amaral, o único que aparece a disparar contra o Governo que não lhe liga patavina à sua obra-prima desconhecida do grande público e que é o anteprojecto de lei quadro das fundações.
Para dar visibilidade ao seu protesto e porque desde há uns tempos para cá mudou de agulha política, como já aconteceu ao longo da sua vida pública, Freitas do Amaral dá o tiro de aviso: as fundações que temos, particularmente as incentivadas ou até criadas pelo Estado, são uma vergonha.
É esse o lead que interessa. E parece que nada mais.
10 comentários:
Clap, clap, clap!
"Off Topic":
http://aeiou.expresso.pt/fotografia-o-deputado-cagao=f643787
Zé: Não acredito que tenhas chumbado com o Mota Pinto. Deve ter sido o Castanheira Neves...
Não, foi mesmo com o Mota Pinto que tinha como assistentes o inefável Almeno de Sá e o ainda mais execrável que citei. Mas chumbaram-me com razão. Foi na oral. Tinha 7,5 de escrita o que nem era muito mau, para um aluno que se preocupava em ouvir música e ler a Rolling Stone e a Crawdaddy e outros assuntos e para quem o Direito era ( e continua a ser) uma aldrabice secante.
Na oral, o dito Almeno, um figurão à antiga fez-me perguntas da praxe sobre nulidades e anulabilidades. artº 291 do Código. Comecei a resvalar para a área de penalty e escorreguei porque os conceitos que pensava que sabia, de repente sumiram-se da memória.
Antes, no corredor tinha estado a conversar com um amigo meu ( agora desembargador) sobre a música de David Bowie que andava a escutar a destempo. E fiado nos conhecimentos de uma ginjeira que era falsa.
Sabia pouco e chumbei.Merecidament. Mas o tal Calvão pôs-se com gozos escusados e por mim que não gosto de palermas assim, dei troco. Fatal...
Em que longínquo ano foi isso, caro José?
1977. Setembro. Marcou-me tanto que ainda sinto o ambiente dos Gerais em Coimbra.
Tinha na altura 21 anos e pensava como penso hoje, sobre a maior parte dos assuntos. Até sobre mulheres, porque andava apaixonado.
Belo refrescar de memória José.
Zé:
Não andavas apaixonado por nenhuma colega de Direito pois elas eram todas feias como um bode! Talvez de Letras...
ahahahah! De facto, as de Direito eram um pouco "clássicas". Por isso íamos ao bar das Letras...mas lembro-me que havia uma. Uma só! Mas foi no ano anterior...
Em 1977 já estava noutra onda, fora do meio. Mas em Setembro de 1977 andava perdido.
Sweet memories are made of this
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