O texto da procuradora adjunta Margarida Veiga Fernandes devia levar qualquer deputado a, por pura vergonha, cavar um buraco no chão e esconder-se lá dentro: “O arguido, desagradado com as questões que lhe eram colocadas, sem que qualquer dos presentes na biblioteca se apercebesse, sub-repticiamente, agarrou nos gravadores que se encontravam à sua frente, introduziu-os nos bolsos das suas calças e retirou-se da biblioteca, levando consigo tais aparelhos.”
Mais: “O arguido tinha consciência de que, ao tomar e conservar na sua posse os referidos gravadores, instrumentos essenciais ao exercício da actividade dos jornalistas e da entidade proprietária da revista SÁBADO, atentou contra a liberdade de informação, jornalística e de imprensa, o que quis e conseguiu.”
Pior: “Mais sabia o arguido, atentas as suas qualidades e funções, ressalvando-se o facto de ser titular de um órgão de soberania, que tal comportamento lhe estava especialmente vedado. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”
Este editorial da Sábado coloca o problema onde ele se encontra: a absoluta falta de vergonha e o absoluto sentimento de impunidade que esta gente goza e com a qual também goza os demais cidadãos.
Suponhamos por uns instantes que os jornalistas tinham ido ao parlamento entrevistar o deputado sem vergonha numa altura em que este tivesse em seu poder um diploma a apresentar para aprovação parlamentar. Suponhamos que em gesto de prestidigitação surripiavam o diploma ainda em sigilo e davam conta do mesmo.
O que faria o deputado sem vergonha? Queixa, com o coro de protestos indignados dos pares. Os jornalistas não teriam outro remédio senão procurar emprego noutro lado.
Este deputado sem vergonha, no entanto e como se escreve no editorial, não só fez de conta que era nada com ele como foi imediatamente protegido pelo correlegionário Assis que desvalorizou o incidente com desculpas ainda mais vergonhosas. A classe política, em vez de manifestar repúdio, encolheu os ombros. Numa casa em que desaparecem documentos originais relativos a fichas biográficas de um deputado que é primeiro-ministro, já nem admira.
Esta gente não se dá ao respeito mínimo nem à ética elementar. E por isso deverá ser o poder judicial a lidar com estes indivíduos.
Ao crime corresponde pena de prisão. Não se pode aceitar que a sentença faça a coisa por menos. Efectiva.