domingo, junho 26, 2011

A narrativa histórica


O Público de hoje volta a insistir na história da História sobre o caso da família Silva Pais que se queixou criminalmente contra os autores de uma peça de teatro por ofensa à honra de pessoa falecida.

Tanta insistência revela uma coisa muito simples de que suspeito: a direcção do Público está comprometida neste caso, pretende influenciar o desenrolar das audiências e eventualmente a decisão dos tribunais. Sob pretexto de recentrar a discussão no aspecto histórico e no da liberdade de expressão, insiste demasiado nesse ponto olvidando os demais. E entre estes demais está o essencial: as pessoas falecidas, individualmente consideradas têm direito a um bom nome de base, digamos assim. Chamar a alguém assassino ou mandante de assassinos ou autor moral de um assassinato, sendo falso, é um crime e deve sê-lo como cada um dos jacobinos que agora peroram sabem muitissimo bem. Se a pessoa já morreu tanto pior porque não se pode defender, mas ficam os familiares e amigos que podem accionar os mecanismos de defesa da honra. Democráticos, ainda por cima.

Na edição de hoje (que também trata em modo desenvolvido o caso das agências de rating, duma perspectiva de esquerda e de confronto anti-capitalista revelador do lado do jornal), há uma página sobre o caso.
Citam-se vários historiadores típicos da situação ( Rui Ramos, Irene Flunser Pimentel e António Costa Pinto, os historiadores de regime que está) para estes dizerem algo extraordinário: "Os tribunais não fazem história. Ela é feita pelos historiadores."
Estes historiadores, com destaque para Rui Ramos o autor da tirada ( já entrou nas lojas, Rui Ramos?) esquecem de uma penada o tribunal de Nuremberga e principalmente a asserção de que a História não é feita pelos historiadores. A História é o que foi. A sua narrativa é que pode distorcer o que é.
Mas essa afirmação olvida ainda outra coisa que explico melhor com uns versos de Milton Nascimento , eu que não quero armar-me em historiador e sou um mero diletante destas coisas e outras:

"A história é um carro alegre cheia de um povo contente; que atropela, indiferente, todo aquele que a negue." Chega isto, para bom entendedor.

Quanto ao assunto da morte de Delgado torna-se interessante ler a opinião do articulista ( Tiago Bartolomeu Costa) no seio do pequeno artigo: " Mas a ausência de um documento que comprove o que muitos assumem como memória colectiva poderá dar razão à acusação?"

Esta pequena passagem revela todo o mundo do nosso jornalismo de causas: o caso está resolvido na "memória colectiva". Mas que memória colectiva, cum raio? A jacobina, implantada em memórias inventadas de revisionismo histórico? A do pensamento único sem margem para a dúvida metódica ou mesmo de senso comum, criada pela narrativa histórica dos arregimentados nos cargos e tachos?
Porque raio é que a memória colectiva assumiu que Silva Pais deve ser co-autor moral de um homicídio? Por conveniência política e porque era o director da PIDE, essa entidade maléfica que só por ter existido relega para a desmemória a KGB??
O comunismo em Portugal quanto tempo é que vai demorar a desaparecer de vez da memória colectiva? 50 anos mais? Não chega o que se passou no Leste, no Cambodja, em Cuba, na Coreia do Norte e noutros lados? Não chegam as purgas estalinistas, o Gulag, o genocídio, a miséria económica?
Até quando esta ideologia de desgraça colectiva continuará a influenciar decisivamente a "memória colectiva"? E os seus cultores os detentores da reserva moral de crítica ao devir histórico?
Até quando esta idiotice se apresentará como a suprema intelligentsia da pátria em jornais como o Público?

Para contraste e para se ver que há outras narrativas históricas que contrariam a "memória colectiva" aqui fica um pequeno artigo de Jaime Nogueira Pinto no Sol de 17.6.2011. Clicar para ler.

E historiadores daquele calibre do apontado, dispenso-os. Prefiro a realidade.

Questuber! Mais um escândalo!