Talvez a formação de futuros magistrados seja coisa séria de mais para estar entregue a certos actuais magistrados. -Manuel António Pina, in JN de ontem
Manuel Pina, no pequeno artigo de opinião que ontem publicou no JN e a que tive acesso depois de ler o artigo de opinião de Pedro Lomba no Público de hoje, coloca o dedo numa ferida pustulenta e Pedro Lomba carrega-lhe ainda mais ao escrever:
"Tal como está, o CEJ não está a formar magistrados mas a transmitir aos recém-chegados um espírito de corpo que, ainda por cima, está longe de ser o adequado. E por isso trata os futuros magistrados como se fossem uma confraria homogénea, avaliando-os com tabelas que não distinguem os melhores e piores e atirando areia para os percalços que vão surgindo. Os resultados estão à vista."
"Tal como está, o CEJ não está a formar magistrados mas a transmitir aos recém-chegados um espírito de corpo que, ainda por cima, está longe de ser o adequado. E por isso trata os futuros magistrados como se fossem uma confraria homogénea, avaliando-os com tabelas que não distinguem os melhores e piores e atirando areia para os percalços que vão surgindo. Os resultados estão à vista."
Ambos os textos partem de pressupostos, a meu ver errados, entre os quais o de perceberem o CEJ como uma escola de formação tipo clássico, tipo faculdade, tipo curso universitário em pós-graduação. Ambos se referem a "testes", salas de aula , avaliação.
Manuel Pina até cita o caso singular de uma auditora que terá sido corrida do curso por comportamento anti-social ao espírito de casta, tentando demonstrar que o desembargador que a avaliou se determinou por critérios subjectivos em consonância com esse espírito.
Não pretendo aqui dizer que Manuel Pina se enganou na análise, subjectiva também, do caso concreto. Pretendo apenas referir que esse caso pode muito bem ser exemplar do modo como se avalia a competência e adequação para a magistratura.
O ponto em que ambos os cronistas e muitos comentadores emperram é sempre o mesmo: o CEJ enquanto escola de formação, digamos assim, escolástica. Vêem o CEJ como uma extensão das faculdades por onde passaram e no caso de Lomba por onde estão. Portanto, a noção de teste e avaliação tomam imediatamente uma conotação bem precisa e sem qualquer subtileza transcendental. A metalinguagem, neste caso, é assumida como referência a um fenómeno que conhecem e replicam noutros campos que desconhecem ou que julgam conhecer através de amigos ou mesmo familiares.
Ora o CEJ não é isso e se o passou a ser está completamente errado na função de formação. Julgo no entanto que não será tanto assim.
O caso do tal teste americano em que os auditores "copiaram" parece um facto indesmentível para fundamentar a indignação mais radical ( Marinho e Pinto e outros) e a mais soft e condescendente ( a directora do CEJ e outros).
Porém, entenda-se a formação de magistrados do seguinte modo:
A selecção inicial, com testes de exclusão mais do que de admissão, é decisiva para a entrada na "escola". Esses testes, difíceis e muito selectivos são realizados em moldes mais ou menos clássicos, numa sala em que se realizam individualmente. Porém, como se permite a consulta de elementos, nada impede que duas pessoas conhecidas troquem conhecimentos in loco, discretamente. Aconteceu alguma vez uma coisa destas? É perguntar a certos parzinhos que entraram no CEJ em conjunto, mas... será tal coisa censurável neste contexto? Isso determinará logo a inaptidão para a magistratura? Se alguém assim pense, que pense duas vezes e abandone o pensamento.
"Escola", portanto, vai entre aspas porque o CEJ foi copiado no seu modelo primevo de 1981, da "École nationale de la magistrature" francesa e que inicialmente, em 1958, se chamava Centre nationale d´études judiciaires. Lá também há testes, mas o essencial da formação não será assim.
No início dos anos oitenta, em Portugal, alguém se lembrou do modelo francês, adaptou-o e pô-lo a funcionar no Limoeiro, sob a direcção de Laborinho Lúcio que aí realizou uma obra a todos os títulos notável e extraordinária, acompanhado por outros magistrados do "antigamente".
Laborinho, segundo se depreende das suas intervenções e cursos de formação, não entendia o CEJ como uma escola no sentido clássico do termo, como aliás a mesma não era em França. Era muito mais que isso mas de muito difícil realização em escassos 10 meses de formação inicial, com presença no Limoeiro a frequentar autênticas aulas dadas por professores ad hoc, geralmente magistrados de função que praticavam com os futuros magistrados os "tools of the trade", os instrumentos legais de trabalho na função e tentavam passar algumas noções de comportamento em público nas salas de audiência. Pouca prática, porque esta adquire-se...praticando. Algumas noções básicas fundamentadas no conceito de que "o que vem de trás toca-se para a frente". Havia por isso alguns manuais, por exemplo para "delegado do procurador da República", do "antigamente" e quando nem havia escola alguma de formação de magistrados a não ser a prática nos tribunais, junto dos juízes.
Havia testes, para além dos iniciais, em continuidade na formação e durante os 10 meses de frequência do CEJ? Havia. E como eram esses testes nos anos oitenta? Eram trabalhos individuais, supostamente elaborados individualmente, baseados em casos práticos distribuídos e tirados de processos reais que tinham corrido termos nos tribunais. Esses trabalhos poderiam ser efectuados em conjunto, com discussão em grupo ou com cópia do trabalho alheio, por cada magistrado que o entendesse. No limite, até poderia ser copiado do processo original que fosse possível consultar na respectiva comarca. E isso o que valia em termos de definição de carácter, personalidade para a função ou adequação ao estatuto? Pouco ou muito, conforme o valor e intensidade da cópia.
Esses trabalhos eram apresentados individualmente e vistos pelo magistrado formador que lhes conferia uma classificação de graduação. Nas aulas práticas eram apreciados eventualmente pelos formadores que inquiriam os auditores, individualmente, acerca das soluções propostas e qualidade ou mérito atingidos. Esse era um dos modos de aferir a conformidade do teste individual com o conhecimento individualizado.
A avaliação do mérito intelectual dos auditores era feita desse modo: através desses trabalhos individuais e pela inquirição ou qualidade de intervenção nas "aulas" acerca das diversas matérias.
Tal método era mais ou menos eficaz para se graduar o mérito académico do auditor, geralmente coincidente com o que trazido da faculdade.
Seria eficaz para avaliar ou determinar a adequação do auditor à função de magistrado? Não, não e não. Vai em triplicado que é para realçar melhor. E essa avaliação pura e simplesmente não se fazia com critério definido. Não se faziam testes de personalidade ou psicológicos para excluir auditores que se revelavam, segundo um entendimento comum, manifestamente desadequados. Assim, os sinais adquiridos para essa selecção subjectiva poderiam ser vários: uma auditora de chapéu permanentemente extravagante; um auditor mal-vestido; uma auditora com laivos de anormal e por aí fora, numa tentativa de definição de um perfil nunca alcançado.
Essa busca permanente do perfil, graal supremo na definição do magistrado ideal, continua até hoje. Ninguém o definiu porque não é definível ou se o for, é-o apenas por arquétipos do género dos agora apontados: um auditor que copia um teste não pode ser magistrado porque isso é uma fraude. Logo, quem defrauda assim de modo tão primário não pode julgar. O mesmo se aplicaria a um auditor apanhado a roubar num supermercado. É um conceito básico e definidor de personalidade inadequada à magistratura.
À míngua de critérios mais precisos e convenientes adapta-se a ideia geral de senso comum: um magistrado deve ser sério e honesto e enganar deliberadamente numa sala de aula um professor é sinal inequívoco de que não o é. Mesmo que tal facto não seja qua tale, passa a ser ( principalmente para quem é professor ou interiorizou a noção de sala de aula) porque apazigua a consciência de quem pensa no assunto e encontra a solução evidente e indiscutível.
Se colocarem a esse julgador ocasional e ad hoc a hipótese do magistrado em formação que ultrapassa constantemente limites de velocidade, na estrada, aí a dúvida instala-se: já foi apanhado alguma vez? Se foi, torna-se imperdoável e sinal inequívoco de inadaptação, pelo senso comum mais primário. Se não foi, aceita-se o facto como não tendo ocorrido.
Se a hipótese for por exemplo a de uma pequena fuga ao fisco, por exemplo na antiga sisa de compra de casa, o caso ainda será mais subtil: como não é político nem sequer será notícia de jornal. Se a situação se envolver com amizades espúrias com pessoas de alto gabarito político e com manifestações claras em nomeações futuras ou presentes então é que a ética soçobra de todo em todo...
No entanto é isso que estes comentadores pretendem: avaliar a adequação a uma profissão através de testes escritos segundo um arquétipo que conhecem e daí extrapolar para análises psicológicas de inclusão ou exclusão, verificando comportamentos anómalos na realização desses testes. O fenómeno de "copianço" nestes casos assume a relevância que se atribui à vigarice e à fraude, justamente designativos, nesses arquétipos.
Em primeiro lugar empobrecem a análise ao reduzirem o campo de apreciação de critérios. Um copianço é uma fraude, ponto final e parágrafo para dizer logo a seguir que um magistrado não pode ter carácter de copiador. Ora um magistrado pode ter esse carácter, até porque o tem mesmo. Copia sempre. Olha para o lado, para o livro que outros fizeram e pensaram. Copia decisões alheias porque assim tem de ser. Copia e adapta as decisões de outros, publicadas para isso mesmo.
Portanto, a questão fundamental continua a ser a de se encarar o CEJ como uma escola onde se ensina do mesmo modo que numa faculdade e se avaliam alunos de idêntica maneira.
Como alguém disse recentemente ( o PGR, justamente), o que caracteriza fundamentalmente o magistrado é " a seriedade, o bom senso e o equilíbrio".
Estes comentadores ligam directamente o caso do "copianço" à seriedade, como sintoma da sua ausência. Ora tal não se afigura correcto, a meu ver, tendo em conta que a avaliação da tal seriedade pode e deve ser efectuada de outro modo mais eficaz. Há testes para isso, mas são de outra natureza. Há modos de perceber se alguém é sério e honesto, mas os critérios de avaliação são muito elusivos.
A seriedade e honestidade são traços de carácter que se podem manifestar em diversas circunstâncias. Normalmente, no caso dos magistrados, surgem nas suas decisões e modo de as fundamentar ou despachar. No limite, um magistrado "desonesto" na sua vida íntima e particular pode muito bem não deixar interferir essas característicos idiossincráticas nas decisões processuais. As fundamentações exigidas nas decisões podem acautelar decisões "desonestas" até porque o magistrado "desonesto" teme muito mais que os outros, o inspector honesto e prefere não dar motivos para se lhe mostrar a desonestidade.
A inteligência de alguns magistrados, experimentados nas lides, pode até permitir-lhes serem profundamente desonestos ao mesmo tempo que alardeiam a seriedade como valor intrínseco ao seu ser mais profundo...e sem dar o flanco da evidência da vigarice porque "as sabem fazer". Há casos disso? Então não há?! Querem exemplos recentes e mediáticos? É só pensar neles...
PS. Segundo se lê no InVerbis, a pessoa concreta citada na crónica de Manuel Pina será filha deste. Se for verdade, a crónica é uma pequena desonestidade. Mas mais grave do que copiar num teste do CEJ, assim da forma como o terá sido.
PS2. Ainda no InVerbis, um comentário de Artur merece destaque:
"O CEJ é essencialmente dirigido por magistrados dos tribunais superiores. Esses magistrados, docentes e dirigentes do CEJ, relativamente à questão A tomaram, de acordo com os factos e o direito aplicável, a decisão B, por esta ser de justiça. No entanto, ante posterior ingerência de personalidades estranhas ao processo e às parte do procedimento administrativo (Bastonário da Ordem dos Advogados, Presidente Jorge Sampaio, Ministro da Justiça, Procurador-Geral da República, etc.) e à pressão da opinião pública, encabeçada pelos jornalistas, os mesmo magistrados, dirigentes e docentes do CEJ, no mesmo caso A, em face dos mesmos factos e do mesmo direito aplicável, revogaram a decisão B, que tinham por ajustada, e tomaram a decisão C, totalmente diferente da primeira decisão, B. O exemplo de falta de isenção, independência e de verdade assim dado aos futuros magistrados visados pelas decisões contraditórias, mudadas para agradar a personalidade influentes e à opinião pública pode não ser considerado o melhor. Na verdade, há já quem considere tal exemplo como muito pior do que aquele que resultava de alguns alunos terem alegadamente copiado (coisa que nem estava como não está provada, mas apenas meramente indiciada). Resta a esperança de que os futuros juízes visados pela decisão contraditória do CEJ venham a decidir nos tribunais um pouco melhor e com fundamentação mais racional, isenta, imparcial e verdadeira, do que os seus instrutores fizeram, relativamente a eles, no CEJ. "
Manuel Pina até cita o caso singular de uma auditora que terá sido corrida do curso por comportamento anti-social ao espírito de casta, tentando demonstrar que o desembargador que a avaliou se determinou por critérios subjectivos em consonância com esse espírito.
Não pretendo aqui dizer que Manuel Pina se enganou na análise, subjectiva também, do caso concreto. Pretendo apenas referir que esse caso pode muito bem ser exemplar do modo como se avalia a competência e adequação para a magistratura.
O ponto em que ambos os cronistas e muitos comentadores emperram é sempre o mesmo: o CEJ enquanto escola de formação, digamos assim, escolástica. Vêem o CEJ como uma extensão das faculdades por onde passaram e no caso de Lomba por onde estão. Portanto, a noção de teste e avaliação tomam imediatamente uma conotação bem precisa e sem qualquer subtileza transcendental. A metalinguagem, neste caso, é assumida como referência a um fenómeno que conhecem e replicam noutros campos que desconhecem ou que julgam conhecer através de amigos ou mesmo familiares.
Ora o CEJ não é isso e se o passou a ser está completamente errado na função de formação. Julgo no entanto que não será tanto assim.
O caso do tal teste americano em que os auditores "copiaram" parece um facto indesmentível para fundamentar a indignação mais radical ( Marinho e Pinto e outros) e a mais soft e condescendente ( a directora do CEJ e outros).
Porém, entenda-se a formação de magistrados do seguinte modo:
A selecção inicial, com testes de exclusão mais do que de admissão, é decisiva para a entrada na "escola". Esses testes, difíceis e muito selectivos são realizados em moldes mais ou menos clássicos, numa sala em que se realizam individualmente. Porém, como se permite a consulta de elementos, nada impede que duas pessoas conhecidas troquem conhecimentos in loco, discretamente. Aconteceu alguma vez uma coisa destas? É perguntar a certos parzinhos que entraram no CEJ em conjunto, mas... será tal coisa censurável neste contexto? Isso determinará logo a inaptidão para a magistratura? Se alguém assim pense, que pense duas vezes e abandone o pensamento.
"Escola", portanto, vai entre aspas porque o CEJ foi copiado no seu modelo primevo de 1981, da "École nationale de la magistrature" francesa e que inicialmente, em 1958, se chamava Centre nationale d´études judiciaires. Lá também há testes, mas o essencial da formação não será assim.
No início dos anos oitenta, em Portugal, alguém se lembrou do modelo francês, adaptou-o e pô-lo a funcionar no Limoeiro, sob a direcção de Laborinho Lúcio que aí realizou uma obra a todos os títulos notável e extraordinária, acompanhado por outros magistrados do "antigamente".
Laborinho, segundo se depreende das suas intervenções e cursos de formação, não entendia o CEJ como uma escola no sentido clássico do termo, como aliás a mesma não era em França. Era muito mais que isso mas de muito difícil realização em escassos 10 meses de formação inicial, com presença no Limoeiro a frequentar autênticas aulas dadas por professores ad hoc, geralmente magistrados de função que praticavam com os futuros magistrados os "tools of the trade", os instrumentos legais de trabalho na função e tentavam passar algumas noções de comportamento em público nas salas de audiência. Pouca prática, porque esta adquire-se...praticando. Algumas noções básicas fundamentadas no conceito de que "o que vem de trás toca-se para a frente". Havia por isso alguns manuais, por exemplo para "delegado do procurador da República", do "antigamente" e quando nem havia escola alguma de formação de magistrados a não ser a prática nos tribunais, junto dos juízes.
Havia testes, para além dos iniciais, em continuidade na formação e durante os 10 meses de frequência do CEJ? Havia. E como eram esses testes nos anos oitenta? Eram trabalhos individuais, supostamente elaborados individualmente, baseados em casos práticos distribuídos e tirados de processos reais que tinham corrido termos nos tribunais. Esses trabalhos poderiam ser efectuados em conjunto, com discussão em grupo ou com cópia do trabalho alheio, por cada magistrado que o entendesse. No limite, até poderia ser copiado do processo original que fosse possível consultar na respectiva comarca. E isso o que valia em termos de definição de carácter, personalidade para a função ou adequação ao estatuto? Pouco ou muito, conforme o valor e intensidade da cópia.
Esses trabalhos eram apresentados individualmente e vistos pelo magistrado formador que lhes conferia uma classificação de graduação. Nas aulas práticas eram apreciados eventualmente pelos formadores que inquiriam os auditores, individualmente, acerca das soluções propostas e qualidade ou mérito atingidos. Esse era um dos modos de aferir a conformidade do teste individual com o conhecimento individualizado.
A avaliação do mérito intelectual dos auditores era feita desse modo: através desses trabalhos individuais e pela inquirição ou qualidade de intervenção nas "aulas" acerca das diversas matérias.
Tal método era mais ou menos eficaz para se graduar o mérito académico do auditor, geralmente coincidente com o que trazido da faculdade.
Seria eficaz para avaliar ou determinar a adequação do auditor à função de magistrado? Não, não e não. Vai em triplicado que é para realçar melhor. E essa avaliação pura e simplesmente não se fazia com critério definido. Não se faziam testes de personalidade ou psicológicos para excluir auditores que se revelavam, segundo um entendimento comum, manifestamente desadequados. Assim, os sinais adquiridos para essa selecção subjectiva poderiam ser vários: uma auditora de chapéu permanentemente extravagante; um auditor mal-vestido; uma auditora com laivos de anormal e por aí fora, numa tentativa de definição de um perfil nunca alcançado.
Essa busca permanente do perfil, graal supremo na definição do magistrado ideal, continua até hoje. Ninguém o definiu porque não é definível ou se o for, é-o apenas por arquétipos do género dos agora apontados: um auditor que copia um teste não pode ser magistrado porque isso é uma fraude. Logo, quem defrauda assim de modo tão primário não pode julgar. O mesmo se aplicaria a um auditor apanhado a roubar num supermercado. É um conceito básico e definidor de personalidade inadequada à magistratura.
À míngua de critérios mais precisos e convenientes adapta-se a ideia geral de senso comum: um magistrado deve ser sério e honesto e enganar deliberadamente numa sala de aula um professor é sinal inequívoco de que não o é. Mesmo que tal facto não seja qua tale, passa a ser ( principalmente para quem é professor ou interiorizou a noção de sala de aula) porque apazigua a consciência de quem pensa no assunto e encontra a solução evidente e indiscutível.
Se colocarem a esse julgador ocasional e ad hoc a hipótese do magistrado em formação que ultrapassa constantemente limites de velocidade, na estrada, aí a dúvida instala-se: já foi apanhado alguma vez? Se foi, torna-se imperdoável e sinal inequívoco de inadaptação, pelo senso comum mais primário. Se não foi, aceita-se o facto como não tendo ocorrido.
Se a hipótese for por exemplo a de uma pequena fuga ao fisco, por exemplo na antiga sisa de compra de casa, o caso ainda será mais subtil: como não é político nem sequer será notícia de jornal. Se a situação se envolver com amizades espúrias com pessoas de alto gabarito político e com manifestações claras em nomeações futuras ou presentes então é que a ética soçobra de todo em todo...
No entanto é isso que estes comentadores pretendem: avaliar a adequação a uma profissão através de testes escritos segundo um arquétipo que conhecem e daí extrapolar para análises psicológicas de inclusão ou exclusão, verificando comportamentos anómalos na realização desses testes. O fenómeno de "copianço" nestes casos assume a relevância que se atribui à vigarice e à fraude, justamente designativos, nesses arquétipos.
Em primeiro lugar empobrecem a análise ao reduzirem o campo de apreciação de critérios. Um copianço é uma fraude, ponto final e parágrafo para dizer logo a seguir que um magistrado não pode ter carácter de copiador. Ora um magistrado pode ter esse carácter, até porque o tem mesmo. Copia sempre. Olha para o lado, para o livro que outros fizeram e pensaram. Copia decisões alheias porque assim tem de ser. Copia e adapta as decisões de outros, publicadas para isso mesmo.
Portanto, a questão fundamental continua a ser a de se encarar o CEJ como uma escola onde se ensina do mesmo modo que numa faculdade e se avaliam alunos de idêntica maneira.
Como alguém disse recentemente ( o PGR, justamente), o que caracteriza fundamentalmente o magistrado é " a seriedade, o bom senso e o equilíbrio".
Estes comentadores ligam directamente o caso do "copianço" à seriedade, como sintoma da sua ausência. Ora tal não se afigura correcto, a meu ver, tendo em conta que a avaliação da tal seriedade pode e deve ser efectuada de outro modo mais eficaz. Há testes para isso, mas são de outra natureza. Há modos de perceber se alguém é sério e honesto, mas os critérios de avaliação são muito elusivos.
A seriedade e honestidade são traços de carácter que se podem manifestar em diversas circunstâncias. Normalmente, no caso dos magistrados, surgem nas suas decisões e modo de as fundamentar ou despachar. No limite, um magistrado "desonesto" na sua vida íntima e particular pode muito bem não deixar interferir essas característicos idiossincráticas nas decisões processuais. As fundamentações exigidas nas decisões podem acautelar decisões "desonestas" até porque o magistrado "desonesto" teme muito mais que os outros, o inspector honesto e prefere não dar motivos para se lhe mostrar a desonestidade.
A inteligência de alguns magistrados, experimentados nas lides, pode até permitir-lhes serem profundamente desonestos ao mesmo tempo que alardeiam a seriedade como valor intrínseco ao seu ser mais profundo...e sem dar o flanco da evidência da vigarice porque "as sabem fazer". Há casos disso? Então não há?! Querem exemplos recentes e mediáticos? É só pensar neles...
PS. Segundo se lê no InVerbis, a pessoa concreta citada na crónica de Manuel Pina será filha deste. Se for verdade, a crónica é uma pequena desonestidade. Mas mais grave do que copiar num teste do CEJ, assim da forma como o terá sido.
PS2. Ainda no InVerbis, um comentário de Artur merece destaque:
"O CEJ é essencialmente dirigido por magistrados dos tribunais superiores. Esses magistrados, docentes e dirigentes do CEJ, relativamente à questão A tomaram, de acordo com os factos e o direito aplicável, a decisão B, por esta ser de justiça. No entanto, ante posterior ingerência de personalidades estranhas ao processo e às parte do procedimento administrativo (Bastonário da Ordem dos Advogados, Presidente Jorge Sampaio, Ministro da Justiça, Procurador-Geral da República, etc.) e à pressão da opinião pública, encabeçada pelos jornalistas, os mesmo magistrados, dirigentes e docentes do CEJ, no mesmo caso A, em face dos mesmos factos e do mesmo direito aplicável, revogaram a decisão B, que tinham por ajustada, e tomaram a decisão C, totalmente diferente da primeira decisão, B. O exemplo de falta de isenção, independência e de verdade assim dado aos futuros magistrados visados pelas decisões contraditórias, mudadas para agradar a personalidade influentes e à opinião pública pode não ser considerado o melhor. Na verdade, há já quem considere tal exemplo como muito pior do que aquele que resultava de alguns alunos terem alegadamente copiado (coisa que nem estava como não está provada, mas apenas meramente indiciada). Resta a esperança de que os futuros juízes visados pela decisão contraditória do CEJ venham a decidir nos tribunais um pouco melhor e com fundamentação mais racional, isenta, imparcial e verdadeira, do que os seus instrutores fizeram, relativamente a eles, no CEJ. "
24 comentários:
Caro José,
O CEJ foi um grande passo em frente e cumpriu, no essencial, a sua missão, no contexto em que foi criado. Mesmo o insuportável espírito de casta superior que caracterizou algumas das fornadas dos primeiros tempos, se veio felizmente a esbater em anos mais recentes.
A questão de fundo, a meu ver, no contexto actual, é que importará ir mais longe.
Não considero que o bom senso e equilibrio que se exigem a qualquer julgador possam ser adquiridos, em geral, sem experiência de vida e essa não se ensina nem se pratica num centro de formação e já não é legítimo que, nesse tipo de funções, se adquira "on job", ainda que em colocações aparentemente menos complexas.
Julgo que é chegado o tempo de admitir que o acesso à magistratura judicial exige não só perfil e formação adequada como experiência de vida relevante, em princípio noutras profissões jurídicas. Essa exigência põe-se, em menor grau (por não julgarem) relativamente aos magistrados do MP e advogados, aos quais bastará, sempre a meu ver, um tirocínio de duração mais limitada.
É certo que um modelo deste tipo cria novos problemas que terão de ser ultrapassados. Não é fácil garantir que numa selecção efectuada num universo de profissionais com uma carreira já significativa se venham a recrutar para a magistratura judicial os mais aptos e/ou candidatos com a idoneidade pessoal requerida. Mas o actual sistema de recrutar os magistrados judiciais no início de carreira, isolando-os desde logo no "casulo" da magistratura, também não dá garantias reforçadas de vocação e idoneidade, vejam-se as disfunções vocacionais permanentemente evidenciadas por magistrados que pululam entre a magistratura e os cargos de confiança política ou com actividade partidária publicamente assumida (para não falar de questões mais complexas, ainda que mais discretas). Por outro lado, este modelo hipotético implicaria, na fase inicial (e, sublinho, apenas nessa) alguma limitação à paridade das magistraturas tal qual hoje é concebida. Mas, no essencial, se bem aplicado, em nada buliria com a dignidade, importância ou independência da magistratura do MP, que continuaria a existir em paralelo, a todos os níveis, sem prejuízo de constituir uma das possíveis bases de recrutamento para acesso à magistratura judicial.
Por maiores que sejam as dificuldades, acredito que valerá a pena repensar a bondade de um sistema que fabrica, mais ou menos escolasticamente, juízes sub-30.
Para mim, a desejável reforma do recrutamento e formação dos magistrados passaria por aqui e pela especialização e não pelas tentações Boaventuranas de dar "espessura" aos futuros magistrados bombardeando-os com novas paletas de saberes, mais ou menos escolasticos e/ou relativizando a indispensabilidade de uma formação jurídica extensa e sólida.
O paradigma que o José continua a ter sobre o CEJ é talvez a da instituição arejada e mesmo revolucionária dos tempos em que era seu director o Dr. Laborinho Lúcio. A dramaturgia da administração da justiça, a literatura judiciária, actividade de mulheres e homens cultos, que interagiam na sua formação com gente do teatro, da literatura e do jornalismo, abertos à vida e não se fechando na redoma dos códigos.
Não restam dúvidas que esses tempos já lá vão. Agora é de cruz. E já agora, copia-se, no pouco que há para copiar quanto à coluna em que se põe a cruzinha.
Wegie:
Talvez seja isso, mas julgo que o paradigma não mudou. O que mudou foram os métodos para executar o paradigma. E mudou a mentalidade, provavelmente, dos próprios auditores/as.
De há uns anos para cá nota-se ainda outra coisa: os juízes tem-se por muito superiores aos magistrados do MP porque conseguiram ultrapassar a barreira da competição. Mas isso também existia dantes só que em modo de frustração, porque os juízes entendiam que os magistrados do MP eram juizes frustrados.
Isso mesmo ouvi a um ou outro juiz atacado de doença contagiosa diagnosticada como juizite aguda.
Excelente explicação.
Fartei-me de rir com o caso da auditora com laivos de anormal.
Eu acho piada é a quem é professor vir com tretas contra a vergonha, o escândalo, a desonestidade destes futuros magistrados.
Anda para aí meio mundo de profs a largarem estas revoltas.
Bastava perguntar-lhes como fizeram as ditas pedagógicas e em que consiste a progressão na carreira.
..............
E ainda bem que não me vieram chagar a cabeça com isto. Porque se têm essa triste ideia levam corrida.
Eu já me fartei de ajudar pessoas a progredirem na carreira. Até criando a trampa de blogues, que é um trabalho que serve para subir de escalão a prof de matemática ou de literaturas, tanto faz.
E orgulho-me de ter feito a maior fraude da minha vida na trampa da parte teórica das ditas pedagógicas na universidade.
Porque, de outro modo, sem ser com fraude e totalmente no gozo, era preciso estupidificar-me para tal.
E tirei a nota maior da turma- com tudo pura e simplesmente inventado. Tudo. Não fiz um único trabalho prático que não fosse escrito como peça de teatro com personagens inventadas e nenhum teste sem ser com dicas de colegas.
Lembro-me até de ter escrito 6 folhas de teste, acerca da pedagogia de um gajo que nunca li- um tal de Gaston Mialeret ou assim. E foi um colega gordinho que me deu umas dicas e o resto inventei tudo.
O desgraçado teve 12 na prova, eu tive 18.
Mas nunca ninguém foi apanhado. Era tudo gente muito séria, a começar por aquelas malucas que tinham o tacho de papel passado e a cunha para o "universitário".
Essa da juizite aguda está bem apanhada. Esses juizes deviam ter juizo na cabeça e perceberem que desempenham funções tal como os outros cidadãos.
Acrescente-se que nunca me serviu para nada esta treta das pedagógicas.
Nunca usei. Mas tenho o canudo da parte teórica. E se tivesse chegado à prática então havia de ser gozo ainda maior sem perceberem que eram eles o alvo da sátira.
E isto pela simples razão que é mentira. Há coisas na vida que são precisas e podem ser razoáveis e bem-feitas e outras que são trampa estúpida obrigatória.
Quanto a copiar, por experiência, o que posso garantir é que toda a gente o faz.
E mais. Qualquer um é aldrabado. Já comeram as papas na cabeça- chefes de esquadra, trompetistas da GNR; doutorados em Economia, médicos, engenheiras, secretárias, cozinheiros, estudantes, pais e mães de família e até uma freira.
Mas os profs que andam com estas hipocrisias deixam de ter a responsabilidade moral.
O tanas, perante um juiz um prof pode ser ladrão que tnão tem a menor responsabilidade ética perante ninguém. A começar perante os alunos que ajuda a formar.
Eu passo-me com hipocrisias. Mas é capaz de ser mais efeito de estupidez.
Zazie,
O argumento que estas a utilizar é o mesmo da directora do CEJ ao dizer que quem, na Universidade, nunca copiou, "atirasse a primeira pedra"! Deu-me imediata vontade de pegar numa pedra e atirar-lha... à pessoa dela!!!
É absolutamente inconcebível que a referida senhora confesse assim, publicamente, que ELA PRÓPRIA copiou na Faculdade e, ainda por cima, o venha defender!
Com que idoneidade podem estes futuros magistrados condenar alguém por fraude, quando esses eventuais arguidos lhes atirarem à cara: "quem nunca cometeu fraudes, que atire a primeira pedra"?
Não. Eu não me coloquei no lugar das cúpulas.
Isso seria se eu fosse pedagoga responsável pelo sistema de filtragem de profs e o dissesse.
Eu coloquei-me no lugar de alguém que está a ser filtrado para o exercício de uma profissão, tendo já uma licenciatura.
Foi isto que fiz. E o exemplo que dei foi dos profs justicialistas que andam para aí a querer a fogueira para os futuros magistrados e nem se enxergam por fazerem pior.
E não falei da faculdade.
Não. Eu dei o exemplo de uma treta teórica e prática que existe para se poder ser professor.
São as pedagógicas. Têm equivalência à função do CEJ ou do acesso a advogados por filtragem da Ordem.
Continuas sem perceber. Tu é que ainda não entendeste que esse acesso à profissão não é formação universitária nem deve ter as mesmas características dela!
Se eu dissesse que toda a minha formação universitária tinha sido feita por fraude, sim. Era caso para me insultarem.
Eu disse que fiz fraude numa fraude chamada pedagógicas.
Por ser a única maneira daquilo ser passível de ser feito sem suicídio
":O)))))))
Pois então mais vale ser o IEFP a encarregar-se da coisa. Fica a aldrabice institucionalizada e deixamo-nos de imposturas.
Que essa treta das pedagógicas seja feita também nas universidades, é outra coisa- mas não é o local nem o tacho de quem o tem que faz a função.
A função das pedagógicas devia servir para preparar para o ensino os futuros profs. E afastar quem não tenha perfil, como por exemplo, parafraseando o José, ser alguém com "laivos de anormal".
Pergunta aí às meninas se não precisam dumas explicações de imbestigaçom. Eu dou...
Mas estás a falar de quê? de quem fez o que fazia parte da tradição ou de quem faz a tradição e depois mete os pés pelas mãos e dá o dito por não dito?
Eu referi-me apenas aos comentários e condenações públicas que por aí andam a confundir o CEJ com uma escola e as provas com provas "escolares" ou "universitárias".
E é disto que o José tem falado o tempo todo. E nem o Lomba se apercebeu.
Nem o Marcelo que também comparou aos seus testes e aos seus alunos.
Pegam na palavra "teste" e na "escola" e o resto já está feito por encaixe.
Ora os pofs vivem de fraudes. Nem é copiar, é pura fraude a progressão na carreira.
Portanto, qualquer prof que se arme em besta a condenar estes por serem magistrados é um hipócrita.
Quando disse sem suicídio, acerca das pedagógicas, podia acrescentar, sem ideias de homicídio, ou em estado não etilizado.
As minhas pedagógicas teóricas, davam direito a ficar sem carta de condução para o resto da vida, se houvesse prova de "balão".
Zazie,
Sabes que mais? Mete as pedagógicas no rabo!
De quem?
No meu não porque é muito sensível...
Enfim: o CEJ também é uma associação criminosa "secreta" e "esotérica", cujas regras só são conhecidas dos "iniciados"...
E "isto" numa "democracia"!
Malha-nos Deus, José!
Oh, a auditora de chapéu extravagante!!! Essa existiu mesmo e era de longe mais capaz que muito palonço que acabou juiz. Mas a este parolismo associava-se a frequência pacóvia, diria mesmo socretina, ou laborinha, de espectáculos de teatro mais ou menos experimental... Uma totozada esse CEJ que nem é peixe nem carne, antes pelo contrário.
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