Nestes dois artigos no Público de hoje podemos encontrar a dicotomia que nos atravessa actualmente a vida colectiva: a distinção entre a “esquerda” e “direita” que a esquerda nos impinge constantemente também aqui se encontra anichada.
Comecemos pelo fim, ou seja, pela esquerda de André Freire que é “politólogo” e veio do ISCTE-IUL, esse alfobre das nossas melhores ideias de esquerda actual. Seria interessante saber de onde veio intelectualmente Freire. Quem leu, ouviu e de quem aprendeu. E onde o fez, para além desse mítico ISCTE que nos tem formatado esquematicamente o destino público nesta última dúzia de anos.
Freire acha no artigo que o neoliberalismo dos Chicago Boys ( que passou pelo Chile e outros lados) aterrou em Portugal, de malas feitas, com a eleição de Passos Coelho. E demonstra: privatizações a eito ( esquecendo que as nossas nacionalizações de 75 foram mais longe do que as que existiam no tempo dos Chicago boys nos países que aplicaram a receita); “desregulação do mercado de trabalho quanto possível, desejavelmente em linha com o projecto de revisão constitucional "( esquecendo que a lei dos despedimentos data de 1975 e substancialmente nunca foi verdadeiramente alterada e que a Constituição continua a desejar o caminho para a tal sociedade utópica, com meios programáticos assinalados); “descapitalização tão profunda quanto possível da Segurança Social" ( esquecendo que não há outro caminho para a financiar e que tal foi o resultado das políticas que defende e que sendo de esquerda ignora a produção e riqueza privadas como um factor essencial de capitalização do estado social); "privatização parcial do SNS e do Ensino Público"( esquecendo que nisso não há distinção entre a tal “esquerda” onde inclui equivocamente o PS e a famigerada “direita”).
Para rematar o escrito, depois de analisar politicamente as recentes eleições, tenta explicar o declínio da esquerda, onde inclui o PCP, o BE e o PS, como se o “socialismo democrático “ de Mário Soares, com um pendor social-democrata que o aproxima inexoravelmente do PSD, pudesse alguma vez pactuar ideologicamente com os ex-MES que há anos se acoitam no partido à espera de oportunidade para se aliarem àquela esquerda. E para o explicar sugere ao PCP e ao BE que dispam o fato-macaco revolucionário e vistam fato e gravata para fazerem coligações eleitorais ganhadoras e assim poderem entrar num qualquer governo de esquerda que se oponha à “direita” neoliberal e sei lá que mais, embora o cardápio das malfeitorias desta corrente politicamente horrorosa esteja definido há muito, por contraste e nos seminários de todos os ex-MES que pululam em tudo o que é sítio de governo e influência social.
Freire, tal como os ex-MES que habitam o cenáculo do socialismo democrático, são o núcleo duro dessa esquerda que mitifica uma política social e económica que se fosse posta em prática conduzir-nos-ia, em poucos meses, à desgraça maior e mais completa de que há memória em Portugal.
Verdadeiramente nunca abandonaram o marxismo e a luta de classes como modo de análise social e política e verdadeiramente nunca deixaram de ser comunistas a prazo. O ISCTE onde se reuniram em conciliábulos de cursos irrelevantes para explicar seja o que for, mas que rende o suficiente para o habitual trem de vida a que se acostumaram é o irmão gémeo do CES de Coimbra onde pontifica o celebrado professor Boaventura que pensa de modo correctamente igual e desde sempre, ou seja desde os tempos heróicos da cooperativa de Barcouço. Por isso mesmo é citado no fim do artigo.
O artigo de cima é da autoria de João Carlos Espada e diz precisamente o contrário como modo se sairmos deste charco em que nos mergulharam os discípulos da ideologia de André Freire.
Titula o artigo trabalhar, poupar, investir. Precisamente valores que a esquerda despreza ideologicamente porque lhe são adversos ou inrrelevantes. E começa logo a falar nas dicotomias tão em voga. Não cita a principal: a ideia de esquerda e direita segundo os critérios actualizados no ISCTE, que incluem o PSD nesta famigerada e o PS naquela querida.
JCE tenta explicar num parágrafo o que é o liberalismo que Freire execra e a que chama neoliberalismo e capitalismo dos Chicago boys: “Mas há uma diferença colossal entre a despesa em nome do público e a despesa ao serviço do público. A utilidade social desta última pode medir-se pela satisfação de pessoas concretas, que livremente escolhem um bem ou serviço. Se não o escolherem, os produtores terão de ajustar a sua oferta às preferências do público. E, através dessa “mão invisível”, os produtores são levados a servir os interesses dos consumidores, ao mesmo tempo que procurem melhorar a sua própria condição.” É este o parágrafo explicador do que é o liberalismo. E a justificação, a seguir: “ Esta tensão entre a oferta e procura gera uma disciplina pessoal que não é imposta por ninguém em particular, mas que exerce o seu efeito educativo de forma muito mais efectiva do que qualquer disciplina que resultasse de um código central emanado de algum decisor do bem comum.”
Nestes dois artigos perfilam-se por isso dois entendimentos distintos e adversos do que deve ser a política e a economia num país, em modo ideologicamente demarcado.
Para optar entre um ou outro temos uma verificação de facto e uma lição. Esta é a de que os mesmos factos, perante as mesmas circunstâncias produzem os mesmos resultados. E os factos estão à vista de todos: ruína económica e ausência de crescimento económico em perspectiva sustentada. Um modelo falido, em suma.
Durante mais de trinta anos andamos numa “salada eléctrica” em que as ideias de Freire e Boaventura foram predominantes no espírito global da intelligentsia dominante. Por isso mesmo o ISCTE e o CES vicejaram em tudo o que seja instituição do Estado que dominam.Por isso mesmo nunca se pode tocar na Constituição e por isso mesmo os lobbies mais perigosos são os representativos de certas classes, mas não os de outras. A CGTP e a CGT nunca integram o rol dos famigerados e vituperados.
O resultado dessa ideologia e dessas políticas aplicadas conduziram-nos à miséria do “país mais pobre da Europa ocidental que nos últimos dez anos se arrastou na cauda do crescimento europeu”, numa citação do Wall Street Journal, feita no artigo de JCE. Mas nem isso os demove apesar de ser evidência ululante.
Foi a Esquerda de Freire e Boaventura quem nos conduziu a este beco, mas continuam a apostar na receita e porventura querem acabar o que iniciaram e continuaram: precisamente liquidar este Portugal que tem mais de novecentos anos.Esquecem mais uma vez que os seus próceres ideológicos não o conseguiram noutros sítios, ainda que bem o tentassem e de modo ainda mais consistente.