terça-feira, outubro 18, 2011

As denúncias anónimas de costas largas

A redacção original , de 1987, do artº 246º do Código de Processo Penal, relativamente às denúncias de crimes era assim:

1 - A denúncia pode ser feita verbalmente ou por escrito e não está sujeita a formalidades especiais.
2 - A denúncia verbal é reduzida a escrito e assinada pela entidade, que a receber e pelo denunciante, devidamente identificado. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 95.º, n.º 3.
3 - A denúncia contém, na medida possível, a indicação dos elementos referidos nas alíneas do n.º 1 do artigo 243.º

O artigo seguinte ordenava que o MºPº registasse todas as denúncias que lhe fossem transmitidas.

Em 2007 ( Lei 48/2007 de 29.8), na 15ª alteração ao Código de Processo Penal ficou assim, no que se refere a denúncias anónimas, conceito que antes nem fazia parte do artigo:
(...)
5 - A denúncia anónima só pode determinar a abertura de inquérito se:
a) Dela se retirarem indícios da prática de crime; ou
b) Constituir crime.
6 - Nos casos previstos no número anterior, a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal competentes informam o titular do direito de queixa ou participação da existência da denúncia.
7 - Quando a denúncia anónima não determinar a abertura de inquérito, a autoridade judiciária competente promove a sua destruição.

O que é que determinou esta alteração, em 2007? Segundo alguns bem intencionados foi a lógica que já dantes se impunha relativamente às denúncias anónimas não fundamentadas e que obrigavam a inquérito, mesmo assim.
Segundo os menos ingénuos, porém, a situação que espoletou a intervenção da Comissão Revisora do CPP, em 2007, foi outra coisa e lembrei-me disso ao ler hoje nos jornais que o processo Cova da Beira, iniciado em 1997 através de uma carta anónima, mencionava explicitamente o então secretário de Estado do Ambiente, José Sócrates, como corrupto num caso de trocas de favores na adjudicação de obras públicas. A denúncia anónima dizia que um autarca da Covilhã, mais um assessor do mesmo e ainda José Sócrates, tinham recebido 1,5 milhão de euros de uma empresa, também da zona e consituida por amigos daqueles, para esta ficar com a obra de construção que importou em vários milhões de euros.

A denúncia anónima foi investigada pela PJ que propôs diligências de investigação àquele José Sócrates, as quais nunca se fizeram eventualmente por se considerar ( ou seja, o MºPª é que considerou) que não havia os tais indícios que na época não eram estritamente necessários para a investigação, mas ainda assim alguns entendiam que eram...
No caso, não foram e segundo notícias destes dias, no Correio da Manhã e Público, o assunto da Cova da Beira, cujo julgamento começa amanhã, deveria provocar uma profunda reflexão sobre os motivos pelos quais determinados indivíduos não são investigados como devem ser.

Questuber! Mais um escândalo!