Nuno Garoupa no livro recente O Governo da Justiça, já aqui citado, escreve na pág. 65 : "Todos sabemos quem está na origem das violações [ do segredo de justiça], o procurador responsável pelo processo. Evidentemente, muitas vezes não é o procurador quem directamente viola o segredo de justiça. mas sobre ele recai a responsabilidade processual de o proteger."
Assim escrito, esta enormidade retira qualquer credibilidade acrescida ao autor para escrever sobre o tal governo da Justiça. Pese embora o facto de ser "professor catedrático de Direito, Comportamento Humano e Ciências Sociais na Universidade de Illinois" esta afirmação coloca-o ao mesmo nível que os jornalista do "para quem é, bacalhau basta".
Nada autoriza o autor a escrever o que escreveu por um motivo muito simples: qualquer estudante de Direito deve saber que a responsabilidade neste caso não deve ser objectiva. Seria absurdo que o fosse só para resolver um problema que nem assim fica resolvido.
Um processo em segredo de justiça passa por muitas mãos em determinadas fases e Nuno Garoupa por muito professor de Direito que seja, mesmo comparado, provavelmente nunca acompanhou um inquérito simples que fosse para entender o modo de funcionamento do mesmo. E devia para perceber e não afirmar atoardas como a que escreveu a pág. 65 do seu livro que tem pelo menos o mérito de questionar o modelo que temos nas magistraturas.
O caso singular do segredo de justiça tem muito mais que se diga do que isso. No caso Face Oculta, talvez o processo mais importante dos últimos anos, o segredo de justiça manteve-se durante meses e meses apesar de ser acompanhado por mais de meia dúzia de pessoas, entre magistrados funcionários e polícias. E manter-se-ia em segredo por mais tempo não fosse a circunstância arreliadora de os factos incomodarem amigos muito chegados de alguém. Alguém com poder, manifestamente. Foi dos poucos casos em que a violação de segredo de justiça prejudicou gravemente a investigação, mas paradoxalmente acabou com a prática dos factos que integravam um crime contra o Estado de Direito...mas este caso é bem elucidativo do absurdo que a solução proposta por Nuno Garoupa, para resolver o problema, provocaria. Seria de rir, o efeito. Portanto, uma solução que provoca o ridículo não pode ser boa, nestes assuntos.
Portanto, a questão é outra, neste caso: deverá o segredo de justiça manter-se sempre e em qualquer circunstâncias para proteger a imagem, honra e consideração dos visados ou apenas para proteger a eficácia da investigação?
Portanto, ao contrário do que Nuno Garoupa escreve -" Querem resolver o problema em Portugal? É fácil, basta punir quem tem a responsabilidade de garantir e proteger o segredo de justiça.", tal não se resolve desse modo, de forma alguma. Nem, aliás, tem que resolver. O segredo de justiça é uma vaca sagrada do nosso direito penal, mais nada. Não é por se manter o segredo de justiça que se prejudicam pessoas publicamente comprometidas em escolhas eleitorais. Nenhuma sociedade, a não ser totalitária, deveria permitir o sigilo ad aeternum, sobre situações que se tornam incompatíveis com a ética democrática. Esconder os problemas não os resolve nem sequer elimina, porque mais tarde ou mais cedo sabe-se tudo e o que aparece nos processos nem uma ínfima parte representa dos problemas globais do mau funcionamento institucional e corrupto da democracia.
Mas para vincar a sua arreigada convicção ainda repisa que "o resto é demagogia de anos e anos de pseudo-reformas para não resolver o problema. "
Demagogia, neste caso, é a de Nuno Garoupa. Basta pensar uns minutos na solução que propõe- a de responsabilizar, punindo, o procurador que dirige o processo. Ora, como o processo muitas vezes está nas polícias, nos advogados, nos funcionários e no vai e vem das diligências acaba por transpirar para os media, um ou outro facto, como é que se deve responsabilizar o detentor do processo se o não detém efectivamente e se não pode controlar esses aspectos da investigação?
Saberá Nuno Garoupa como e em que circunstâncias foi violado o segredo de justiça nos casos mediáticos mais badalados? Sabe por exemplo o que deve constar de um mandado de busca que é entregue ao visado, ao advogado se o tiver ou a outras pessoas? Sabe o que constava dos mandados de busca no Face Oculta? Não sabe nem pode saber, rigorosamente. Mas por isso mesmo, aconselharia a prudência que a afirmação fosse mais ponderada e segura do que se escreve para português ler.
A única forma de controlar eficazmente o segredo de justiça em casos de interesse mediático ( e são apenas esses que incomodam os preocupados com isso) é formar uma equipa do MºPº com as polícias ( como aconteceu no Face Oculta) de um modo que qualquer violação de segredo seja facilmente detectável por quem o dirige, uma vez que a confiança interactiva é, nesse caso, elevada. Em caso contrário, nada feito e o problema não tem solução.
Nuno Garoupa deveria saber isto, como professor que é. A não ser que seja verdade o dito antigo de que quem sabe, faz; quem não sabe, ensina...
1 comentário:
O prof. Garoupa devia fazer algum "trabalhito de campo" em Portugal (e não falar de/sobre modelos além atlântico). Seria mais sério e, se calhar, chegaria a conclusões diferentes
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