sábado, outubro 15, 2011

A cultura da irresponsabilidade das chefias de serviço

Miguel Cadilhe, ex-ministro do PSD, símbolo de um novo-riquismo nascente com o cavaquismo, o tal do escândalo fiscal com as permutas de casa e uso de meios do Estado em proveito próprio, sem justificação racional, dá uma entrevista ao i de hoje. Uma boa entrevista, aliás.

"Como vê a actuação de Vítor Constâncio à frente do BdP e a sua passagem para a vice-presidência do BCE?
M.C.- Mal. Ele é um bom economista, mas falhou nas duas principais frentes da sua responsabilidade no BdP, a supervisão bancária e a vigilância macroeconómica. (...)
Jornal i- Vítor Constâncio devia ser responsabilizado pelo que se passou no sistema bancário nacional?
M.C.- A República tem esse ´bom`hábito de não pôr a justiça a responsabilizar os seus altos dignitários. Por vezes, as República até os premeia." (...)

Jornal i- Para que serve o Tribunal de Contas e de que têm servido os seus alertas?
M.C.- A República tem o ´bom hábito` de não ouvir o Tribunal de Contas, este tem o ´bom`hábito de não se fazer ouvir. Digo ouvir e fazer-se ouvir com substância, a oportunidade, a sonoridade e a subsequência que a gravidade das situações muitas vezes requer. E falo muito especialmente os ouvidos do Parlamento, da Procuradoria-Geral da República e da comunicação social. "

Quando o jornal lhe pergunta quais foram os erros capitais dos "chefes de serviço", responde de modo claro:
A adesão precoce ao euro; nos anos 90 e 2000, as "péssimas afectações de recursos, visíveis em grandes despesas, como Expo 98, submarinos, estádios de futebol, densidade de auto-estradas...o abandono do PCEDED; a falsa equidade e falsa sustentabilidade do princípio utilizador-pagador; a imparável escalada das despesas do Estado que passaram de 28% do PIB no seu tempo, para 42% ou mais em 2010; a correlativa escalada da carga fiscal; a demolição, não reconstrutiva, do nosso sector primário, agricultura e pescas; o repetidíssimo protelamento das reformas estruturais do Estado...

Destes erros não se conhecem os respectivos "chefes de serviço" que assumam a responsabilidade pelos mesmos. Estão todos de "mãos limpas" e sem mácula.

No artigo do Público de hoje, assinado por Mariana Oliveira, sobre a "responsabilização dos políticos", alguns próceres do nosso direito penal afastam liminarmente a responsabilização criminal por considerarem que " a incompetência não é crime" ( Costa Andrade), esquecendo que há muitas situações de incompetência que por gerarem danos pessoais inadmissíveis são puníveis pelo direito penal. Atente-se no número de situações em que a negligência é punida a título criminal e outras que se aproximam perigosamente da ausência de qualquer culpa, como acontece no direito penal fiscal.

Mesmo assim, o penalista "admite que os governantes cometam crimes como a corrupção, o peculato, a administração danosa ou a apropriação indevida" e só "lamenta que raras vezes sejam condenados e os que são façam, por vezes, uma exploração exacerbada das garantias de defesa."
Curioso lamento para quem ganha dinheiro ( legitimamente, diga-se) a defender exactamente a validade destas garantias em pareceres que lhe são solicitados em sede de direito penal...e principalmente para quem integra uma escola de direito cujo corpus iuris assenta em ideias ultra-garantísticas importadas de países cuja tradição jurídica e social não é a nossa, não convive com os problemas sociais como nós e não estão habituados a reeleger isaltinos e fátimas felgueiras, mesquitas machados e muitos mais.
Por outro lado, no mesmo artigo o inefável António CLuny dá o seu parecer sobre o que anda a fazer no Tribunal de Contas: " O que existe na lei são instrumentos teóricos sem mecanismos legais suficientemente eficazes para concretizar esse tipo de responsabilidades."
E Cluny até acha que é "uma armadilha a ideia que os políticos só podem ser responsabilizados em tribunal". Para ele, "o mais importante de tudo é que se tirassem consequências políticas dos relatórios do Tribunal de Contas."
Ah! Consequências políticas, então? E que disse Cluny da circunstância de um relatório desse género ter sido objectivamente sonegado ao tribunal, pelo seu presidente, recentemente e antes das eleições?

Por outro lado, o problema não é apenas a responsabilidade política que como se vai sabendo é irrisória e irrelevante, no contexto geral da política como se faz em Portugal. Um demagogo e um aldrabão como José Sócrates papa relatórios do tribunal de Contas ao pequeno-almoço.
A questão é outra: por baixo dessas contas do tribunal estão números e factos objectivos que revelam comportamentos subjectivos que o tribunal obviamente não tem competência para investigar. Mas tem obviamente pessoas com inteligência suficiente para entender o que também deveria ser óbvio: quanto há um rabo de fora, o gato pode estar escondido e nesse caso compete ao MºPº, mesmo no tribunal de Contas, apurar onde está o gato. Mesmo que seja de Schroedinger. E é para isso que lá está- para pedir certidões e enviar para os sítios competentes com fundamentação suficiente para se indagar porque motivos concretos há gatos tão felpudos nas contas do Estado.
Se tal não suceder, como de facto não sucedeu, alguém escondeu os gatos durante este tempo todo. Ou por negligência, ou por incompetência ou por outra coisa qualquer.
Mas como sabemos que a incompetência não terá relevância criminal ficamos todos contentinhos da silva, a caminhar alegremente para o abismo da bancarrota...com discursos inflamados e cínicos em assembleias sindicais, sobre "progroms" ou mesmo pogroms...
Ou será que aquilo que Carlos Moreno, juiz conselheiro do dito tribunal, anda a dizer publicamente há anos, sem que Cluny diga seja o que for em consonância, de nada vale?
As denúncias muito concretas que aquele magistrados fez sobre as parcerias público-privadas algumas vez mereceram uma única palavra a Cluny? Porquê?

5 comentários:

Miguel disse...

Neste post o José volta a falhar na critica, ou melhor dispersa atenção. Volta a atirar culpas à lei "ultra-garantística"...quando o principal problema reside no modo como a mesma é aplicada.
Vamos lá ver...se o MP cumprir diligentemente a sua função, e investigar em tempo útil, não há Advogado que consiga safar a o Arguido.
No caso face oculta, por exemplo, o problema principal não esteve na Lei...esteve na aplicação dela e nas interpretações que dela fizeram...por outras palavras, esteve no aplicador da Lei. Não é uma boa, ou má, lei que vai fazer com que o PGR seja mais ou menos "tolo"...
Neste caso da responsabilização criminal dos políticos já temos leis...não existe é registo de que o MP faça alguma coisa...e isso podem c«mudar os códigos todos..podem por a escola do Porto...Lisboa...Coimbra...Minho...a fazer leis que não vai mudar nadinha.

Anónimo disse...

Vítor Bento deu ontem outro espectáculo na TVI, daqueles que era para o PGR abrir logo um inquérito, não fosse o tenebroso. Resumido: nós avisámos há vários anos que isto ia acontecer aos senhores do governo e eles não quiseram saber; gastaram.

Para mim, o maior drama de Portugal é que é feito de uma gente que na sua maioria acredita que é possível comprar computadores portáteis com software Microsoft e comunicações incluidos por apenas 150 euros, e não os pagar. As pessoas pensavam mesmo que ninguém os pagaria! Isto é de terceiro mundo. E ainda por cima, para os conseguirem foram increver-se no programa "Novos Sócrates". Lixaram-se: Está na hora de pagar. Paguem!!!

josé disse...

Miguel Ferreira:

Não sou eu quem critica o aspecto ultragarantístico das leis, mas é o próprio Costa Andrade.

Repare: se um advogado tem à sua disposição uma panóplia de instrumentos legais para entravar um processo, se tiver interesse nisso é compreensível que o faça.

Não se trata de interpretações da lei mas simples expedientes dilatórios que usam porque a lei o permite.

Floribundus disse...

lembro-me sempre da frase doa Almirante Cândido dos Reis antes da desgraça que foi o 5 de outubro
'-quando há revolução em Portugal, metade aceita, metade BORRA-SE'

não há papel higiénico suficiente
para os cagarolas

joserui disse...

Come ao pequeno almoço, almoço e jantar! E nos intervalos se calhar ainda petiscava mais alguns! -- JRF

A obscenidade do jornalismo televisivo