segunda-feira, outubro 17, 2011

Barbas de molho...

Público:
O constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho alertou neste sábado, em Coimbra, para os perigos dos “justiceiros”, para “a ideia, que está muito no povo, que temos de colocar no pelourinho” aqueles que “fizeram mal ao país”.
Para o catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) “é preciso ter cautela” em relação à tentação, “por parte de sectores da opinião pública”, de transpor para o debate “esquemas éticos e moralistas” no sentido de “julgar na praça pública”.

“É mau os jornalistas julgarem os políticos, os políticos julgarem os jornalistas, nós, professores, julgarmos os juízes”, explicitou o conselheiro de Estado, que falava aos jornalistas, hoje, em Coimbra, depois de ter participado numa sessão do colóquio “Direitos fundamentais e comunicação, escutas telefónicas, redes sociais”, promovido pelo Instituto Jurídico da Comunicação (IJC) da FDUC.

“É uma mensagem errada para o país reconduzirmos as questões da nossa República apenas a questões de justiça”, advertiu Gomes Canotilho, sustentando que “se houver crime, se houver corrupção”, os responsáveis devem ser julgados, mas de acordo com as normas do Estado de direito. .

Gomes Canotilho é um professor de Direito de Coimbra. Um constitucionalista que ajudou - e de que maneira!- o Partido Comunista Português a co-elaborar uma Constituição " de esquerda" que nos pautou a vida democrática por muitos e longos anos.
Porventura algumas das agruras por que passamos enquanto povo que somos devem-se às mezinhas então aprovadas pelos compagnons de route de Canotilho.
O professor nunca saiu de Coimbra mas deixou-se lá ficar para o irem chamar para o Conselho de Estado, ressalvando os conselhos particulares que foi dando a título de pareceres...
Canotilho é uma espécie de príncipe da sombra democrática, reservado e sempre na reserva de uma certa majestas do Estado que há. Quando fala, raras vezes e por vezes a certos media obscuros, diz algumas coisas que suscitam perplexidade pela banalidade que encerram. Será talvez por julgar que tem lições a dar?

Desta vez, no colóquio em Coimbra, as frases polémicas são estas: “É mau os jornalistas julgarem os políticos, os políticos julgarem os jornalistas, nós, professores, julgarmos os juízes”. "É uma mensagem errada para o país reconduzirmos as questões da nossa República apenas a questões de justiça”.
Mas ao mesmo tempo diz que “se houver crime, se houver corrupção”, os responsáveis devem ser julgados, mas de acordo com as normas do Estado de direito. "

Quer dizer então que Canotilho não detecta nem detectou nestes últimos anos os sinais da corrupção e do crime no seio dos políticos. Não detectou nada disso nos processos Freeport, BPN, Cova da Beira, Face Oculta, só para citar os mais mediáticos.
Não detectou ainda que a corrupção é larvar e já saiu do casulo, no seio da alta administração, tendo atingido o coração do Estado, como chegou a dizer um advogado de Coimbra seu conhecido ( Rodrigo Santiago). Não detectou ou não quer detectar ou dizer que detectou...porque uma pessoa minimamente inteligente percebe que é essa a situação de facto a que chegamos.

O que dirá Canotilho a quem lhe mostrar as contas das parcerias público-privadas, nas SCUT? O que dirá Canotilho a um Carlos Moreno que já denunciou várias vezes o que Canotilho nunca detectou como conselheiro de Estado, em tempos parceiro nessas funções, de um Dias Loureiro?
O que dirá Canotilho se lhe mostrarem que alguns negócios que o Estado conduziu com privados foram manifestamente ruinosos para a o bem público e hipotecam no nosso futuro por longos anos? Dirá que a responsabilização já ocorreu, nas eleições, e que é perigoso entrar pela via judicial para tentar obter a justiça que se impõe e que de outro modo fica sem se obter?
Canotilho não tem fome e sede de justiça, suficientes para entender que não há em Portugal outra via que não a judicial para averiguar responsabilidades que são manifestamente do âmbito penal?
Os crimes tipificados na lei penal, acaparados pela Constituição, são suficientemente abrangentes para incluir a gestão danosa do património público, a corrupção na condução dos negócios do Estado, o favorecimento e participação económica em negócios ilegítimos e outras malfeitorias que só em sede de processo penal será possível apurar devidamente.
Canotilho teme que o processo penal seja desviado dos seus fins se todos, mas mesmo todos forem tratados de igual modo pela lei, como aliás manda a Constituição?
Um governante e um ex-governante estarão ipso facto isentos de suspeitas de comportamente criminoso por se entender que devem ser encaradas as suas acções exclusivamente no âmbito da responsabilidade política?
E como assim, se vemos ouvimos e lemos, factos que atentam contra a mais comezinha noção de senso comum, relativamente ao modo como se negoceiam contrapartidas, concessões e participações em parcerias?
Será que mesmo nesses casos devemos, em atenção ao pensamento do professor Canotilho, desvalorizar os indícios evidentes e relegá-los para o sector da responsabilidade política?

Num momento tão crítico para a nossa identidade como nação e país, em que estamos à beira do abismo e que sabemos por notícias que vão sendo publicadas sem grande dúvida de conformação com a realidade, que houve governantes que se ocuparam a governar-se durante anos a fio e arruinaram um país apenas com as suas assinaturas, devemos encolher os ombros, desvalorizar os factos, esquecer os contextos, ignorar os indícios e evidências e considerar que foram todos sempre "bons rapazes"?
E devemos por isso abandonar a fome e sede de justiça substituindo-a pela penúria provocada por esses mesmos suspeitos, directamente? Afinal os indignados devem ser apenas os que estão contra o "liberalismo" e os bancos?

Se calhar é pedir demais ao povo. E quem assim pede é porque não sente a dificuldade e não tem senso suficiente para ver os problemas que estão à nossa e à sua frente.
A responsabilização criminal é difícil, morosa, tarifada numa lei que a escola de Direito de Coimbra, de que Canotilo faz parte, se esforçou por garantir em reforço acrescido de direitos e mais direitos.
Talvez seja chegada a altura de se tentar atingir o campo dos deveres e usar os poucos meios de que dispõe para se fazer justiça em nome do povo e sem receio de que chamem "justiceiros" a quem a tal se atrever.
Canotilho, com estas declarações, parece mais solidário com os suspeitos do costume do que com as vítimas de sempre. O PGR que ainda está já deu o mote para a estratégia do poder: controlar o mais possível todas as veleidades dos "justiceiros".
É óbvio que se prefigura uma guerra de classes. Neste caso, o povo contra os que o aldrabaram. Quem quiser tomar partido, faça o favor.

7 comentários:

joserui disse...

Qual estado de direito? O nosso anda tão tortinho coitadinho... tão entrevadinho... -- JRF

lusitânea disse...

Grande tirada.De mestre.Continuação da lição anterior não?

Vitor disse...

José,
Vai gostar de ler o post relativamente a BSS no link abaixo:

http://fiel-inimigo.blogspot.com/2011/10/nos-uti-m-os-dias-tem-passado-nas.html?showComment=1318886579653#c3164101306743078891

josé disse...

Já li. O medidor de pilas é bem fustigado...

JC disse...

Peço desculpa por trazer para aqui o mundo do futebol, mas não resisto a esta similitude.

Um homem do futebol, Luis Duque, agora com funções no Sporting, disse, antes das eleições para a presidência deste clube -
as quais concorreu integrado na lista vencedora - que o Sporting precisava de uma vassourada e de um cheque chorudo.

É assim que vejo neste momento Portugal.

Precisa de um cheque e de uma vassourada nesta gente toda.

Zé Luís disse...

Pois, ia dizê-lo, mas o jose já inseriu a forma de o PGR puxar a si os cordelinhos quando alguém ousar questionar políticos...

zazie disse...

Parabéns José. Magistral.

A obscenidade do jornalismo televisivo