sábado, julho 09, 2011

Jornalismo jacobino

O jornalista José Pedro Castanheira, no Expresso de hoje, não se limita a assinar o artigo referido. Sobre um assunto interessante mas requentado ( os doentes que nos governam, citando um livro estrangeiro) nada melhor que repescar outro tema do Estado Novo, neste caso a doença e sucessão de Salazar para ilustrar o assunto. O caso de Cunhal nem sequer é abordado, pois claro. É coisa que desvirtua o revisionismo histórico que afincadamente os jornalistas tipo Castanheira regurgitam ao longo dos anos e tem-no registado para a posteridade que não sabe ler, nem tem quem lho ensine.
Castanheira relata factos pelo que o revisionismo aparece como o daquelas fotos do regime soviético em que as imagens apagavam da realidade todos os que deixavam de interessar ao regime, passando ao estado de não-existência virtual.
Sobre o acidente de Salazar, em 5 de Setembro de 1968, conta que durante um mês ninguém soube de nada ( "nem o país nem a classe dirigente", escreve). E nada de quê? Pois, do acidente e das "falhas de lucidez, raciocínio e linguagem", num Salazar que governava. Mas logo a seguir desmente-se ao escrever que alguns colaboradores se aperceberam. Certamente colaboradores não dirigentes...
Outro facto relatado pelo jornalista Castanheira: em 6 de Setembro de 1968 Salazar foi operado a um hematoma craniano e " recuperou de forma espectacular". Mas "quando estava na iminência de obter alta foi acometido por um devastador AVC, que o deixou em coma e paralisado do lado direito." Então, 10 dias depois, foi exonerado do cargo de presidente do Conselho e em dez dias substituido por Marcello Caetano.
Sobre esta substituição só uma referência às intrigas palacianas sobre os sucessores. E um facto mais, revisitado por Castanheira: Salazar continuou a viver na residência de S. Bento, "durante mais de ano e meio, numa autêntica ficção, protegido do mundo e rodeado pelas rotinas a que se habituara durante décadas de poder solitário e quase absoluto."
Pois bem, para revisitar esse tempo com notícias da época, mesmo altamente controladas pela Censura Prévia, aqui ficam algumas imagens de revistas que nos dão a explicação do que se passou, com os pormenores que todos sabiam na época e sem mistérios demasiados, como o que rodeou sempre a vida de um Álvaro Cunhal e outros próceres de regimes que Castanheira pelos vistos não conhece ou não quer lembrar. É que a história de quem esconde doenças e vida particular assenta muito melhor em Cunhal do que em Salazar...e sobre regimes democráticos ou não democráticos nem vale a pena falar nisso.

Por exemplo, estas duas páginas da revista Vida Mundial de 4.10.1968 explicavam a todos os que liam o que sucedeu com a substituição do então presidente do Conselho, Salazar. Em 8 de Setembro Salazar tinha sido operado por causa de uma queda de uma cadeira, na sua residência de Verão no Estoril e na qual tinha "batido com a cabeça no pavimento". Conta-se que até ao dia 16 de Setembro tudo tinha corrido bem, na recuperação e então aconteceu o avc, conforme o boletim clínico subscrito "pela legião de médicos " ( com escreve Castanheira) que era composta por três clínicos, a que se juntou um outro especialista americano, vindo de propósito e eventualmente outros especialistas locais. O estado clínico era muito grave e impôs a substituição cujo anúncio público aconteceu em 26 de Setembro desse ano. Tudo isso e o resto está aqui escrito na revista da época que os portugueses leram. Com censura. No período democrático, sem censura, os portugueses nunca souberam ao certo, em tempo real, o que aconteceu a Álvaro Cunhal em termos de saúde...

Porém, o mais interessante do revisionismo de Castanheira ainda é este: escreve que Salazar viveu numa ficção de que ainda era presidente do Conselho. Ora isso é que talvez seja um pouco difícil de sustentar. E muito menos a falta de transparência do regime nessa transição. Se o jornalista fosse um pouco menos jacobino e muito mais rigoroso e competente teria lido o discurso do presidente da República de então, Américo Tomás (que provavelmente toma como um abrolho, como é costume nessa idiossincrasia de esquerda) na parte em que este refere isto, com precisão terminológica: " uso da faculdade conferida pelo nº 1 do artº 81º da Constituição e exonero o Doutor António de Oliveira Salazar do cargo de Presidente do Conselho de Ministros, do qual manterá todas as honras a ele inerentes".

Por outro lado para se ver o que era o regime de então em modo de comunicação ao país destes assuntos delicadíssimos, basta ler o que escrevia o Século Ilustrado de 21.9.1968 a propósito da evolução da doença de Salazar e particularmente ler os 11 boletins clínicos reproduzidos, de 7 a 17 de Setembro de 68. E as capas das revistas referidas- o S.I. de 21.9.68 e a V.M. de 4.10.68.



Uma última coisa: quando é que estes jornalistas de meia-tijela, dobrados em historiadores de pacotilha, tomam um pouco de vergonha e passam a assinar os escritos como- " fulano de tal, jornalista antifassista encartado"?

Desse modo não enganavam ninguém e permitiam que se lesse o que escrevem, como dantes se liam os jornais no regime que desvirtuam historicamente- nas entrelinhas.

Questuber! Mais um escândalo!