segunda-feira, junho 06, 2011

Um dois, esquerda-direita, jacobinismo em frente

Reparem-se nos cabeçalhos dos jornais de hoje: só o Público e o JN aposta na designação do anti-nome da rosa: a "direita". Supõem-se ideologicamente esclarecidos para informar a populaça que "a direita" ganhou e contribuem, mais que ninguém para a confusão ideológica que só a eles aproveita. Ou seja, a uma Esquerda que se recusa a desaparecer, mesmo depois de mortas as referências em ideias e doutrinas. Social-democracia, para eles, deixou de fazer sentido porque nunca fez. O comunismo nunca aceitou essa designação e nunca se lhe referiu porque lhe rouba espaço político e a breve trecho destrói-os. Foi isso que aconteceu em toda a Europa. Menos aqui, em Portugal e isso tem explicação idiossincrática que poucos querem entender e denunciar. Para contributo ficam aqui dois pequenos textos.

"Nas democracias, o político sobrepõe-se sempre ao social, o movimento de opinião ao dos grupos e classes, porque a democracia é um fenómeno de cultura e não um resultado da natureza das coisas. A precariedade de democracia vem exactamente de ela ser o mais antinatural dos regimes, um fruto da civilização e uma forma concertada e superior de autolimitação e de autoregulação, que exige progresso técnico e material(...) As democracias não suportam um pensamento global sob pena de este destruir a sua pluralidade natural ao lhe impor um sentido- um pensamento sobre o todo e a totalidade. E é isso que a "esquerda" não tem sido no seu namoro totalitário: para ser moderna e se afastar do terror, ela só pode assumir-se como movimento para laicizar a sociedade, ou seja libertar os cidadãos da existência de qualquer sentido último que não seja o direito de eles como indivíduos se autodeterminarem em função dos seus desejos e possibilidades. No passado, a "esquerda" travou muitas vezes este bom combate contra o clericalismo, por exemplo.
Colocada de modo contraditório contra as significações actuais da ´esquerda` ( e utiliza-se sempre o termo mais no seu sentido histórico do que ideológico, pretendendo as aspas não separar uma verdadeira de uma falsa esquerda mas sim tratá-la como um significado histórico) . a geração de 68 necessita não só de fazer as contas com o seu passado imediato como realizar o seu futuro. Este rito de passagem é já hoje visível no progressivo retomar da actividade política geracional, após um período de silêncio e no carácter mais ou menos comum do que se diz e faz(...)"

Este pequeno texto é um excerto de um artigo de José Pacheco Pereira, no Expresso de 30 de Junho de 1984 em que se prè-anuncia um livro de "dois ex-activistas da extrema-esquerda": JPP e João Carlos Espada.
A explicação que fica, assim a modo um pouco estruturalista pretende mostrar o caminho de uma" esquerda face ao totalitarismo ou a geração de 68 a contas com o seu passado imediato".

O texto de João Carlos Espada começa assim:

" Durante muito tempo, a esquerda revolucionária acreditou que o erro das concepções leninistas-jacobinas se confinava às tendências centralistas e vanguardistas. O conceito de Revolução- que é um conceito chave para os leninistas, como o foi para os jacobinos e também para os blanquistas- permaneceu intocável. Até há muito pouco tempo a esquerda portuguesa continuava a preferir a ideia revolucionária- mais romântica e aparentemente mais radical- à de reforma.
Hoje penso que não é possível romper com o despotismo leninista sem romper com o credo revolucionário que lhe está subjacente- assim como aos jacobinos, aos blanquistas e à generalidade das correntes que se proclamam, por princípio anti-reformistas. Em vez de discutir se uma revolução é possível na democracia burguesa, acho preferível perguntar se ela será desejável. E a primeira coisa a saber é para quê clamam os revolucionários por uma revolução.
No imaginário leninista- assim como no das várias correntes revolucionárias que se reclamam de Marx- a revolução possui ainda mais do que uma missão política transformadora: ela é chamada a desempenhar um papel histórico de ruptura com um modo de produção envelhecido. o capitalismo, e de inauguração de uma nova era, a do socialismo. Compreende-se porque é que os leninistas não aceitam nenhuma oposição ao seu poder pós-revolucionário: ela é entendida como uma oposição à marcha da História e à construção do socialismo. E é curioso notar que todas as correntes comunistas dissidentes apelam a uma liberalização do poder leninista, mas uma liberalização limitada: o poder revolucionário deve assentar num pluralismo revolucionário e socialista, isto é, aquele que abrange exclusivamente os partidários do modelo que os revolucionários se propõem construir.
Esta concepção abre imediatamente caminho a um regime de excepção: se a liberdade de opinião tem limites de opinião quem estabelece esses limites? Quem decide, a cada momento, o que está ainda dentro do campo revolucionário e o que já é contra-revolucionário? (...) Rosa Luxemburgo afirmou premonitoriamente que ou a liberdade é a daquele que pensa de modo contrário ou não é nada."

Estes pequenos excertos dão conta para quem quiser entender que em 1984 o problema da Esquerda e Direita portuguesas era...um problema de Esquerda. A Direita deixou de existir em 1974, pura e simplesmente, se é que jamais existiu na mente dos apoiantes serôdios de Américo Tomás.
Portugal transformou-se num campo de experimentação ideológico, em laboratório. Dez anos antes, em 1974, as discussões políticas públicas, não integravam a "direita". Nestas duas imagens abaixo podem ver-se alguns dos fenómenos políticos que marcaram a discussão ideológica das últimas décadas: na primeira, de O Jornal de 28.5.1976 um artigo do historiador João Medina ( de esquerda obviamente) faz a pergunta mais inconveniente para a esquerda: "Salazar, "fascista" ou democrata-cristão?" Evidentemente que a narrativa que a Esquerda construiu para todos os portugueses aprenderem logo na escola primária que agora se chama de ensino básico é que Salazar era "fascista" ou melhor "fassista" ou até "faxista" ou mesmo "fachista" consoante as consonâncias da conveniência política.
O discurso e narrativa históricos sobre essa figura continuam a pertencer ao partido comunista e à extrema-esquerda. Nada mudou nesse aspecto, em 37 anos e é inútil andar a fazer de d- quijote contra moinhos de vento ideológicos.


Na segunda, tirada da Grande Reportagem de 2 Abril 2005 num artigo de repescagem de memórias da esquerda radical aparece toda a contradição do PS: um Mário Soares que aperta a mão a Acácio Barreiros ( que depois integrou o PS) e no quadro acima, o mais radical da extrema esquerda parlamentar que jamais tivemos: o deputado Duarte que votava segundo a orientação que recebia da bancada do público.

Este artigo da G.R. no texto que se pode ler clincando mostra bem quem passou da extrema esquerda para um lado mais à direita, sem que por tal se assumisse como de direita. Entre os nomes, o de José Manuel Fernandes e Nuno Pacheco do Público. Fernandes saiu e tornou-se liberal no pensamento económico mas conserva os laivos de ideologia enquistada que João Carlos Espada apontou e que pode afrontar a ideia de liberdade, de vez em quando. Pacheco Pereira idem aspas, com a subtileza de se julgar outsider e observador exterior do fenómeno social.

A actual directora do Público navegou certamente nas mesmas águas, tendo o barco adornado algures numa praia em 1968 e desde então anda à procura do rumo que Pacheco Pereira aponta no seu artigo transcrito.

Para mim é esta a única explicação para que o Público continue a insistir da dicotomia "esquerda-direita" colocando o PSD e o CDS na margem direita e todo o resto do espectro político na esquerda.
Tal taxionomia, recente mas com alguns anos, sorveu a indefinição que incomodava essa gente de esquerda sem eira nem beira partidária. E é a única tábua de salvação ideológica que encontram para sair do sítio encalhado onde se encontram: Maio de 1968 afundou-se há muitos anos no tempo longínquo de uma opção política qe leva a outros barcos encalhados. Mas eles não querem de lá sair. E o jacobinismo político reciclado no modernismo dos costumes enviesados e luta contra o "ultra-liberalismo" alimenta-os no dia a dia do que pensam e sentem.


Quanto a mim, uma das causas das vitórias da "esquerda" de um PS descaracterizado dessas marcações ideológicas e definitivamente assente na social-democracia com pendor jacobino nos costumes e métodos, reside nessa confusão sempre requerida em épocas eleitorais. E há os jornais que lhes servem de correia de transmissão ideológica. O Público é um deles e tem cumprido a tarefa de modo claro e indesmentível. Desta vez não chegou para manter o poder porque o nível de rasquice e incompetência foram de tal ordem que até o eleitor comum percebeu o logro e votou diferente. Seguiu à risca o ditado de que à primeira quem quer cai e à segunda só mesmo quem quiser. À terceira cansou-se de ser tolo...mas não foi porque o Público não tentasse que o voltassem a ser. A directora sê-lo-á? E vai continuar a ser?

O Jornal de Notícias, com a designação de Manuel Tavares como director, depois de Leite Pereira ter saído, cumpre a mesma função. Manuel Tavares passou pelo jornal O Diário, o tal da "verdade a que temos direito" e tem sido jornalista desportivo. Anda agora à procura da linha editorial que ponha o jornal a vender mais que o Correio da Manhã. O capitalista Oliveira ( mais que ultra-liberal é um capitalista de estado social ligado às futebolices e outras ices) já lho disse e Tavares tem agora essa verdade pela frente. Método? Simples: alguidar à ilharga da primeira página e faca afiada na liga.
Está tudo dito, sobre este estado de coisas.

Estou farto desta farsa.