Portanto, a ideia peregrina deveria ser melhor reflectida e com recurso à memória do tempo que passou.
No dia 25 de Abril de 1974 uns tantos militares descontentes com o regime depuseram os chefes de então e entregaram o poder a civis, conservando uma tutela temporária. Foi uma autêntica Revolução e como escrevia a revista brasileira Manchete de 11 de Maio de 1974, escassos quinze dias depois (e de que se tira esta primeira imagem) "contando com o apoio integral do povo, o golpe de Lisboa foi dos mais ordeiros de que se tem notícia na História". Aliás, é um facto histórico indesmentível, este.
A verdade é que o regime estava apodrecido e exangue e quase todos aplaudiram a mudança. Mal sabiam ou suspeitavam o que viria a seguir...
Esta imagem da Manchete mostra o povo nesse dia 25 de Abril, em Lisboa, a apoiar os militares, espontaneamente. Uma verdadeira aliança e alegria na cara das pessoas. Nestas primeiras imagens da Revolução não há um único cartaz de partido político. Apenas um lençol onde alguém escreveu "Liberdade para os presos politicos".
O mote estava dado. Nos dias e semanas a seguir formaram-se partidos, apareceram partidos existentes, grupos, grupúsculos e mais grupos e formou-se um governo provisório, com António de Spínola, o general que comanditou o golpe com um livro publicado uns meses antes ( Portugal e o Futuro).
Um mês depois, em 24.5.1974, "O governo provisório dava os primeiros passos", segundo a revista Vida Mundial, então com 35 anos de publicação e já dirigida por Augusto Abelaira ( até então tinha sido Manuel Figueira).
Lendo o artigo com seis páginas e assinado por F.A. ( Fernando Antunes) pode verificar-se na segunda página quem foram os militares afastados do activo no 25 de Abril. Os militares "fassistas", evidentemente. Em seu lugar foram nomeados outros, "progressistas" ou que rapidamente se assumiram como tal, mudando casacas à pressa.
O comunista Álvaro Cunhal assumiu logo um ministério, mesmo "sem pasta". Logo na primeira página ( é ler...) surgia a menção a ministérios que o PCP poderia obter. Mário Soares, esse, mostrava-se já preocupado com a "fragmentação excessiva" e com a formação de inúmeros agrupamentos ( "cerca de uma centena") que "em sua opinião, reflectia o "oportunismo de tantos grupos a subverter as instituições democráticas que se pretendem venham a ser autêntica realidade no nosso país". Note-se a preocupação com a tal formação democrática que atentava contra as "instituições democráticas"...
A primeira respeita a um acto de censura na RTP. O grupo de teatro A Comuna, num directo transmitido do "Mercado da Primavera" , nas comemorações do "Dia de Portugal", não achou nada melhor do que mostrar uma peça em que satirizava a Igreja Católica, associando-a à PIDE-Gestapo-SS e figurando um cardeal da igreja, com "cerejas dependuradas da mitra" ( era o tempo delas e o cardeal Cerejeira era então o Patriarca de Lisboa...). A censura da autoria de um militar, delegado da Junta de Salvação Nacional, foi altamente censurada.
Na segunda, dá-se conta da prisão, por motivos políticos ( o primeiro preso político depois de 25 de Abril, provavelmente) de José Luís Saldanha Sanches, na altura dirigente do MRPP e que apelou à deserção "em massa e com armas" dos militares ainda colocados nas colónias. O incitamento fora publicado no segundo número do Luta Popular e a prisão foi logo a seguir, para o forte de Elvas.
Diz a notícia que "À prisão deste combatente comunista, activo desde longa data e que passou oito dos últimos dez anos da sua vida nas prisões da PIDE/DGS, assistiu a estudante de Direito Maria José Morgado, co-arguida de Saldanha Sanches num processo ainda recentemente instruído"...
Estas duas notícias chegam para mostrar porque é que o 25 de Abril de 1974 se transformou num logro, logo na segunda semana e porque é que a Esquerda e a Extrema-Esquerda comunistas ( mais os seus "compagnons de route" habituais, no caso o PS ainda de socialismo alçado e fora da gaveta), "abandalharam" logo isto tudo.
Se alguém quiser reivindicar um novo 25 de Abril, comece por contar esta História, porque é a verdadeira.
Duvido é que a contem porque os que o podem fazer estão comprometidos de várias formas: ou foram comunistas e colaboraram na "bandalheira"; ou continuam a sê-lo, mesmo por nostalgia; ou pura e simplesmente não conseguem perceber o tempo que passa.
É só por isso que o discurso oficial e jornalístico-mediático continua a ser o mesmo passados estes 38 anos: um discurso de mentira e de logro e de "sistema", por sua vez apodrecido, como estava o que foi deposto em 25 de Abril de 1974.
Algumas figuras do actual regime metem mais dó do que as da antiga "brigada do reumático" que tanto criticaram e gozaram...