terça-feira, abril 24, 2012

Garcia dos Santos: o militar de Abril que prefiro

O General Garcia dos Santos foi um militar do 25 de Abril- e dos mais importantes porque foi o encarregado da montagem das comunicações, no posto de comando da Pontinha. Quem ouve hoje gravações desse dia a anunciar o Movimento das Forças Armadas, deve lembrar-se de Garcia dos Santos.
Garcia dos Santos foi militar, ensinou "comunicações", participou no MFA, foi secretário de Estado, chefe da Casa Militar do presidente Eanes e presidente da JAE, por convite de João Cravinho que dele foi colega no Instituto Superior Técnico.

A entrevista ao jornal i de hoje é notável a vários títulos.  Um deles pode muito bem ser este:
Jornal i- Mas estamos melhor do que há 38 anos…
Garcia dos Santos-  Claro que sim! Mas vamos pagá-lo muito caro. Nós estamos a viver do dinheiro que vamos buscar lá fora. E depois como é que é? Como é que a gente o vai pagar? O que é a gente está a fazer para preparar o futuro? É que a gente não pode viver só do dinheiro que vai buscar lá fora. Temos que pensar o que vamos fazer, como é que está a nossa economia. Há alguma coisa que esteja a ser preparada no sentido de pôr a nossa economia a funcionar? Zero! Quer outro exemplo? As auto-estradas, as Scuts. Eu tive uma conversa com o engenheiro Cravinho em que ele me disse que ia pôr a funcionar as Scuts. Eu disse: “Ó senhor ministro isso é um tremendíssimo disparate!”. A Scut é uma invenção inglesa, ao fim de pouco tempo os ingleses puseram aquilo completamente de parte, por causa do buraco que era previsível. Mas disse-me que o assunto estava exaustivamente estudado sob todos os aspectos, técnico, financeiro. Está à vista o buraco que são as Scuts.


Jornal i- E as PPP?
Garcia dos Santos- É a mesma coisa.


Jornal i-Quando saiu da JAE denunciou uma situação generalizada de corrupção. Acha que as PPP também se integram nessa situação? O Tribunal de Contas diz que houve contratos que lesaram o interesse público...
Garcia dos Santos-Tem que se admitir a possibilidade de haver ali corrupção, e da forte. Como é que se atribui a uma determinada entidade certos privilégios que não seriam naturais? É porque se calhar há alguém que se locuptou com alguma coisa. Infelizmente, outra coisa que funciona mal no nosso país é a justiça. Nunca chega até ao fim.


Jornal i- Foi colega do eng. João Cravinho no Técnico…
Garcia dos Santos-Foi por isso que ele me chamou para ir para a Junta. Sabe o meu feitio e quis que eu limpasse a casa.


Jornal i-Mas o que é que aconteceu? O eng. João Cravinho chama-o para limpar a casa, o senhor limpa, e depois zangam-se. O que se passou?
Garcia dos Santos-Fomos colegas no Instituto Superior Técnico. Houve um jantar de curso e nesse jantar o Cravinho a certa altura chama-me de parte e diz: “Tens algum tempo livre?”. E eu disse: “Tenho, mas porquê?”; “Eu precisava de ti para uma empresa”; “Que empresa?”; “Agora não interessa, a gente daqui a uns tempos fala”. Passado uns tempos chamou-me e disse-me: “Eu quero que vás para a Junta Autónoma das Estradas, mas não digas a ninguém que o gajo que lá está [Maranha das Neves] nem sonha”. O Cravinho deu-me os 10 mandamentos do que eu precisava de fazer na Junta, limpar a casa, obras que era preciso fazer, etc. Entretanto, comecei a conhecer a casa, dei a volta ao país todo e um dia disse-lhe: “Há aqui uma série de coisas que é preciso fazer e há 11 fulanos que é preciso pôr na rua”. Ele retorceu-se, chamou-me daí a dois dias, disse que era muito complicado. O problema é que era através de uma das pessoas que eu queria pôr na rua que passava o dinheiro para o PS.

Em 2009, escrevi aqui isto:

"Dois anos antes da chegada do general fora ordenada uma auditoria na JAE na sequência de afirmações do presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, Pedro Ferraz da Costa. Foram detectadas "actividades privadas geradoras de incompatibilidade legal". Mas - segundo a Procuradoria-Geral da República - em nenhum caso se evidenciaram "situações de corrupção ou de financiamento de partidos", precisamente o que Garcia dos Santos denunciou ao "Expresso" meses depois de ter renunciado à presidência da Junta.
"O engenheiro Cravinho e eu fizemos o mesmo curso no Instituto Superior Técnico", rememora o general. "Hoje apresenta-se como um paladino contra a corrupção, mas na altura recusou fazer certas coisas." Quais coisas? As respostas do general são crípticas: "Eu sabia de muitos empreiteiros?" Sim, mas quantos? "Vários, alguns..."
Garcia dos Santos exigiu a expulsão de "tal e tal e tal", funcionários da JAE. Cravinho aceitou mas acabou por recuar, o que levou o militar a pedir a demissão e a telefonar ao semanário de Pinto Balsemão. Na edição de 3 de Outubro de 1998 afirmou ter "quase a certeza absoluta" de que o governo sabia quais eram "as pessoas corruptas dentro da Junta".

As declarações do general, levaram-no a uma audição no gabinete do PGR Cunha Rodrigues. E ainda a uma comissão parlamentar de inquérito. Pouco de relevante se apurou, embora a JAE fosse então desmantelada. Alguns dos seus nomes sonantes e suspeitos, nunca pronunciados abertamente e por quem sabia ( Cravinho e Sousa Franco por exemplo) , continuam por aí, bem instalados e a gozar rendimentos e proveitos. Compensou, para eles, a corrupção então rompante. E foi por isso que outros lhe seguiram o exemplo, anos a fio. O Freeport poderá ser um filho desta mentalidade que não duvida que o BPN "é um caso de polícia".

Quem estava no Governo de então ( 1998)? Guterres.
Garcia dos Santos dizia na entrevista ao Expresso ( para quem telefonou, antecipando-se a uma inoperância da JAE de Cravinho e a quem tinha proposto a demissão de vários suspeitos de corrupção) que " JAE financia partidos políticos".
Era este o problema e Cravinho devia saber disto. Porém, com o PS ninguém se mete nestas embrulhadas. "Leva", segundo o alvitre de um Coelho saltitante. E Cravinho era desse PS. Foi do MES, mas acabou nesse PS. Típico.
A verdadeira luta contra a corrupção está aqui espelhada: não existe por anomia dos próprios responsáveis pelos seu combate. Ainda por incapacidade em enfrentar o problema do financiamento do partido. O partido precisa de dinheiro e nunca, na democracia de mais de trinta anos, houve um MP ou um juiz que se atrevesse a fazer uma busca nas sedes partidárias ou de quem orienta as finanças do partido. Esses lugares são santuários da democracia e por isso, intocáveis. Os seus oficiantes estão acima de qualquer suspeita e tudo o que se disser em contrário é por conta da cabala e da urdidura, naturalmente.

Até quando este temor reverencial incrível? Até quando este medo da democracia, por respeitinho aos seus "donos".

Será por medo do anátema da "república de juízes"? Só pode, mas é tempo de acabar com esse atavismo.

Os partidos políticos não estão acima da lei nem podem ser coutos de corruptos ou antros de malfeitores da democracia, onde se organizam num "toca a reunir" sempre que há ameaça de "decapitação". As Anas Gomes deste país deviam ser denunciadas sempre que assim procedem, mas isso não acontece porque são essas pessoas quem anatematiza os temerários que possam aparecer. Um círculo do vício, portanto.
A democracia não é isto. É outra coisa e os donos do poder não podem ser os primeiros a usar meios antidemocráticos para se perpetuarem e cargos e benesses.


Cravinho que depois disso denunciou a falta de empenho no combate à corrupção, foi, na época, um dos que não conseguiu, porque não quis ou não pôde, fazer frente ao monstro. Espera-se que Cravinho se defenda destas acusações de omissão grave e incoerência ainda pior.
No entanto, prova mais evidente e flagrante do nosso problema endémico de corrupção que lida com a estrutura do Estado, não pode haver. Que sirva de lição porque o tempo nada ensinou e se alguma coisa pode ser acrescentada é que se refinou o modo de corrupção. Agora faz-se com a ajuda de decretos-lei.

Quando me vêm dizer que o antigo PGR Cunha Rodrigues foi um "grande senhor" no MºPº lembro-me sempre de Garcia dos Santos e disto que escrevi...





4 comentários:

Floribundus disse...

isto parece a 'praia do Meco'
vão todos nus

muja disse...

"Ainda por incapacidade em enfrentar o problema do financiamento do partido. O partido precisa de dinheiro e nunca, na democracia de mais de trinta anos, houve um MP ou um juiz que se atrevesse a fazer uma busca nas sedes partidárias ou de quem orienta as finanças do partido."

Reside aqui o principal problema das democracias... É decerto um gradiente, mas não penso que haja uma única no mundo em que não exista corrupção devido a esta circunstância. Em Portugal é o deboche total, a corrupção é aberta, generalizada e impune. Em Itália e Espanha grassa certamente, mas volta não volta há quem vá parar à cadeia, conforme sopra o vento. Na Escandinávia será possivelmente menor, ou mais subtil, mas decerto a haverá também. Nos Estados Unidos é praticamente institucionalizada, mas também engaiolam alguns de vez em quando...

Tem de haver uma solução melhor para isto certamente... A questão é: qual?
Os partidos poderem receber financiamento privado é um incentivo poderosíssimo à corrupção, e quanto maiores, pior.
Seria muito mais a favor de um sistema mais plural, com múltiplos partidos, ou melhor, "movimentos cívicos" de carácter objectivo e temporário , em paralelo com deputados eleitos para representar efectivamente uma região geográfica/demográfica, sem disciplina de voto nem quaisquer outras obediências que não fossem a vontade de quem representam. Nem partidos, nem maçonarias, nem corporações. Apenas e só, os eleitores.

É apenas a minha opinião. Havê-las-á melhores decerto. Mas o que está, está mal, e precisa mudar. Porque, qualquer dia, acaba-se a democracia e vem a martelada. Resta saber quem virá brandir o martelo. Em 1928 tivemos sorte, apesar de tudo. Tenho dúvidas que se repita...

aragonez disse...

Lê-se e não se acreditaria se a Verdade não se metesse todos os dias pelos olhos dentro.
Não será possível haver um país sem porcaria, sem comunas. sem nazis e em que mande uma maioria honesta.
Não será posível?????

Anónimo disse...

Cravinho é um tipo que fala frequentemente na televisão em postura virginal. Queria ele fazer uma lei anti-corrupção. Há cada anedota! Aliás, o país é quase todo uma anedota.

O Público activista e relapso