A juiza de Torres Novas que decidiu o caso de regulação de poder paternal ( agora de responsabilidades parentais), conhecido como Esmeralda, decidiu também dar explicações públicas da decisão, através da publicação do despacho-sentença que confere ao pai da menina, a guarda efectiva da mesma. O que aliás, já tinha sido decidido o ano passado, por esta mesma altura.
Quem divulgou a explicação, no entanto, foi o CSM a quem a mesma solicitara autorização para tal. Segundo se noticia, a juíza pediu ao CSM que divulgasse publicamente o teor da decisão.
Esta dinâmica, entre o juiz do processo concreto, órgão de soberania por si mesmo, e o CSM, que não sendo órgão de soberania de coisa alguma, deu em representar os juízes, de modo algo espúrio, suscita certas questões que não vejo sejam suficientemente debatidas.
O CSM, constitucionalmente, é um órgão autónomo, mas administrativo, com a função específica, da gestão e disciplina dos juízes, apenas.
A sua composição, com membros eleitos e outros designados pelo poder político, assegura em certa medida uma legitimação democrática entre os juízes, no que se refere a esse papel específico, da gestão e disciplina.
Quem divulgou a explicação, no entanto, foi o CSM a quem a mesma solicitara autorização para tal. Segundo se noticia, a juíza pediu ao CSM que divulgasse publicamente o teor da decisão.
Esta dinâmica, entre o juiz do processo concreto, órgão de soberania por si mesmo, e o CSM, que não sendo órgão de soberania de coisa alguma, deu em representar os juízes, de modo algo espúrio, suscita certas questões que não vejo sejam suficientemente debatidas.
O CSM, constitucionalmente, é um órgão autónomo, mas administrativo, com a função específica, da gestão e disciplina dos juízes, apenas.
A sua composição, com membros eleitos e outros designados pelo poder político, assegura em certa medida uma legitimação democrática entre os juízes, no que se refere a esse papel específico, da gestão e disciplina.
O CSM, porém, não representa, nem pode representar os juízes, enquanto órgãos de soberania, como é o caso, precisamente por isso. Estatutariamente, compete ao CSM uma série de incumbências de gestão que não incluem a de prestar esclarecimentos públicos sobre a actividade concreta dos juízes como órgãos de soberania, mas incluem a de dar autorização para tal.
O CSM, por causa disso, analisa e decide acerca de casos públicos ou de que lhe seja dado conhecimento, para os efeitos de actuação disciplinar, segundo as regras da lei e estatuto, quando os juízes não lhe pedem batatinhas previamente e se pôem a falar sobre a sua decisão.
A mais importante característica dos juízes, é a sua independência. Mesmo do CSM. É o que diz o artº 4º do seu Estatuto:
1 - Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
Dito isto, a que propósito vem o CSM anunciar a decisão do órgão de soberania de Torres Novas sobre o caso concreto da regulação de responsabilidades parentais, da pequena Esmeralda? Por causa do pedido da juíza?
É fácil também de responder, percebendo o equívoco: o CSM, responde a pedido da juíza titular da soberania, porque esta, mesmo sendo soberana no seu processo e decisão, tem medo de, sozinha, se expor, violando o dever de reserva que sobre ela legalmente impende e que a obriga a ficar silenciosa sobre os processos.
A juíza, titular da soberania, sabe muitíssimo bem que o órgão administrativo que lhe gere a carreira, segundo a lei e os regulamentos e lhe disciplina a actividade profissional, pode instaurar-lhe um procedimento de inquérito ou mesmo disciplinar, com consequências graves na carreira, se ela se atrever a falar, sem lhe dar explicações prévias…
O dever de reserva consiste nisto que está enunciado no artº 12 do EMJ:
O dever de reserva consiste nisto que está enunciado no artº 12 do EMJ:
1 - Os magistrados judiciais não podem fazer declarações ou comentários sobre processos, salvo, quando autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo. 2 - Não são abrangidas pelo dever de reserva as informações que, em matéria não coberta pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente o do acesso à informação.
Falávamos de independência dos juízes? Pois sim. Independência, sim, mas o respeitinho é muito bonito...
O CSM, neste como noutros casos, em função desse poder disciplinar, não controlado por ninguém, coarcta objectivamente, a independência do órgão de soberania de Torres Novas, ao fazer impender, por via de eventual procedimento disciplinar, qualquer veleidade de o juiz, poder pronunciar-se livremente sobre o caso, sem lhe dar satisfações.
Para o fazer, teria que ter a coragem ou a veleidade de alguns que na tv aparecem ou que livremente escrevem em blogs, sobre n´importe quoi. Até mesmo sobre processos pendentes.
Teria que se assumir como responsável de corpo inteiro, pela decisão de anunciar publicamente, a defesa da sua honra profissional, contra alguns comentadores de interesses duvidosos e de órgãos de informação vergonhosamente entregues ao interesse de uma das partes.
A juiz de Torres Novas, porém, não o fez. É nova, mas parece ser corajosa no essencial e sensata na ponderação jurídica. Contudo, tem uma carreira à frente e naturalmente, tem medo. O que é inteiramente compreensível, mas precisamente por isso, não se deve aceitar o que o CSM fez. E que significa apenas dar a imagem de que o CSM é uma espécie de PGR dos juízes. Que não é, não deve ser e seria bom que se desfizesse o equívoco.
Não é a primeira vez que isto acontece. Já no caso Casa Pia, aconteceu. E foi nessa altura o próprio CSM quem abriu a porta da possibilidade de um juiz, titular da soberania, se defender pessoalmente das invectivas dos advogados que – esses sim,- podem ter menos reservas nos comentários sobre os casos em que participam, porque defendem o interesse dos seus clientes.
Este fenómeno, para além de diminuir objectivamente a independência dos juízes, ligando-os ao seu órgão de gestão e disciplina de modo a liquidar por vezes essa independência, significa ainda outra coisa mais perversa: a de poder transformar os juízes em agentes da Justiça, subordinando-os a uma hierarquia de um só grau: o das inspecções e inquéritos disciplinares vindos do CSM.
Significa ainda outra coisa, em corolário: em vez de independência, os juízes, assim, assumem uma feição corporativa, de ligação umbilical ao CSM, como cúpula de um poder que devia ser sempre solitário, independente e continuar a ser irresponsável, nos limites da lei.
3 comentários:
Muito e muito obrigado pelo esclarecimento, pois que não ocnseguia entender a situação descrita, uma vez que o Juiz é soberano, tem a ultima palavra.
Assim, sim, penso que entendi. Por isso agradeço.
O que eu tenho aprendido José!
Pois é, José.
Se ainda não viu, tente alugar o filme "Camarate", de LFRocha.
Está lá tudo (não falo do debate crime/acidente, mas do que aqui relatou).
Bom ano!
CE
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