Com base em decisões políticas de pessoas que agora não querem prestar contas como deve ser e fogem das responsabilidades por entenderem que toda essa espécie de sindicância se esgota em eleições, arquitectaram um plano complexo no modo mas simples na execução. O melhor argumento que arranjam, com grandes defensores nos próprios órgãos de supervisão como a PGR e nos media dependentes desses interesses é o perigo de "judicialização da política". Obviamente tal é apenas um eufemismo e uma diabolização de uma ideia peregrina muito repetida: a de que os tribunais se devem ocupar dos assuntos judiciais e nada de política. Assim proclamam e defendem nos jornais e tribunas públicas, para se livrarem e livrarem os seus de malharem com os costados no banco dos réus e poderem serem presos pela prática de crimes que lesaram o povo, o Estado e o erário público em grandes quantias. Uma burla gigantesca foi planeada e consumada em Portugal. Envolveu várias pessoas com interesses confluentes e apostadas em sacar ao Estado e ao Orçamento tudo o que pudessem. Para tal, arquitectaram um esquema quase perfeito de ludíbrio: gizaram a lei que os protege do flagrante delito, assentando na noção jacobina de que o que é legal é ético e o que fica de fora não conta para o caso.
O instrumento perfeito de tal efeito foi o Código de Contratação Pública que autoriza legalmente o golpe, ao incentivá-lo com uma desculpa perfeita: o Estado carecido de meios jurídicos e de pessoal qualificado e "de reconhecida qualidade". Previamente esvaziaram os gabinetes do Estado das pessoas que poderiam desmenti-los no acto, mas ainda assim deixaram vários rabos de fora deste gato escondido. Os auditores não desapareceram de todo e ao mesmo tempo que proclamavam a ausência de "qualidade jurídica" do pessoal do Estado contratavam a preço simpático dos altos escalões da remuneração pública, assessores e mais assessores com justificações publicadas em Diário da República que os acusam objectiva e abertamente nos propósitos do artifício enganador.
Neste caso da Parque Escolar, a notícia de que três ou quatro sociedades de advogados receberam centenas de milhar de euros para fazerem o trabalho que oito- juristas- oito alegadamente não conseguiriam por falta de qualidade técnica e falta de experiência é um insulto aos mesmos e um atentado à inteligência comum. Tanto assim que um dos argumentos até reside na circunstância de apenas um deles ter "vínculo permanente". De resto são todos uma cambada de nabos em contratação pública, deinde a contratação da genialidade residente naquelas firmas de renome, habituais rendeiros do Estado.
Sintomaticamente são firmas de gente conhecida. Da política, entenda-se. Coincidências que se repetem em casos que tais e que nenhuma sindicância, criminal ou de outra ordem, irá desmontar porque a justificação pode muito bem ser essa, a da coincidência. Como o ajuste é directo, assegurado pelo Código da Contratação Pública gizado precisamente por uma dessas firmas, altamente versada nas matérias complexíssimas e esotéricas do direito público que ninguém mais conhece devidamente senão os próprios progenitores da lei, está justificadíssimo o encargo. E certíssima a opção governamental de quem lhes atribuiu a renda. Virtualmente insindicável porque perfeitamente legitimada e legalmente autorizada. O crime perfeito? Depende.
Diz o jornal que os factos estão em investigação no DIAP e no tribunal de Contas. Podem estar que os burrinhos irão parar à água... choca. A inteligência jurídica desses génios nada deixou ao acaso e por isso, a partir do momento em que fique justificado daquele modo, virtualmente insindicável, a opção para consultadoria externa em outsourcing, só um Sherlock Holmes moderno, travestido de investigador do MºPº afinaria uma estratégia de comprovação da prática da burla.
Mais: no limite ( a que ainda não chegaram pelo que se pode dizer que ainda estão protegidos) serão capazes porventura de accionar mecanismos de defesa da honra vilipendiada por estas maledicências avulsas de quem apenas procura entender como é que isto foi possível em Portugal no séc XXI.
O senso comum do cidadão que não entende estas coisas e por isso pergunta como aconteceram, irá ser posto à prova no inquérito do DIAP. Descobrir que há burla já custará imenso e duvido que a inteligência activa do DIAP lá chegue apesar de o cheirar ( se não cheirasse não teria aberto inquérito, claro está). Encontrar as provas indiciárias do crime, isso será tarefa para monge beneditino em romance de Eco.
Perceber como se contrata uma série de firmas de advogados com o pretexto de que o Estado carece de especialistas deve obrigar a "checar" todos esses argumentos com dados de facto. Saber quem no Estado perceberia desses assuntos, se chegou a ser consultado internamente, se deu parecer e qual e se a matéria oferecia complexidade jurídica para tal, atentos os antecedentes na contratação pública.
Deste modo é essencial entender quem foram as pessoas concretas envolvidas nestes partenariados públicos com privados. Saber os nomes, as relações pessoais, os "sistemas de contacto", se têm filhos, onde estão empregados, com quem e como. Esses pormenores não costumam interessar os diaps e dciaps pelo que só um Correio da Manhã lá chega. E no entanto é um dos aspectos fulcrais para se entender estas coisas que se foram sedimentando ao longo dos anos. É essencial perceber como é que quem ganha salário de funcionário público pode levar vida de emigrado em Paris, por exemplo. Tal é básico, fundamental, mas poucos ou mesmo ninguém que investiga mostra disposição para essa coscuvilhice que nos permite saber mais que muitos documentos e estudos juntos.
Depois é preciso saber quem nessas firmas de advogados pretensamente especialistas, percebia do assunto assim em modo tão absoluto e competente.
Com esses dois elementos obtidos por abdução, deve depois conjugar-se outro método, o dedutivo: perante os factos objectivos há conclusões que se impõem pela própria lógica inerente.
E nem o mais acabado jacobino, nesse caso, conseguirá repetir mais uma vez que a lei é a ética. Porque a lei é complexa e se preciso for talvez seja melhor o DIAP consultar especialistas...por ajuste directo. Seria perfeito e digno de um romance ou filme com argumento melhor que os de Hitchcock.