sábado, maio 07, 2011

António Barreto, o mal informado

O sociólogo António Barreto, ultimamente avençado dos supermercados Pingo Doce, através de uma fundação do dono, dá hoje uma extensa entrevista ao jornal i que celebra o seu segundo aniversário.

Sobre Justiça, tema que o atrai frequentemente a dizer algumas baboseiras, António Barreto não se fez rogado mais uma vez ao dislate.

Diz que a Justiça está refém de grupos organizados. E que no seu entender são os sindicatos da magistratura, mais os advogados que "muitos deles são da própria política".

Perguntado pelo jornal porque é que os políticos têm medo em mexer com a Justiça, Barreto dislata mais uma vez:

"Têm medo de confrontar interesses. A justiça sabe segredos de muita gente. Sabe segredos da vida pessoal, da vida económica, da vida empresarial e da vida política e partidária. Quando formos capazes de analisar e investigar seriamente o que se passou em vários processos, ao longo dos últimos dez ou vinte anos, há processos que são incompreensíveis. Da Casa Pia ao Freeport, à Face Oculta e ao Apito Dourado. Há muitos fenómenos incompreensíveis nestes processos."

Tirando de lado o particularismo antonomásico em citar estes processos como revelando o panorama da crise da Justiça, António Barreto lança a chama da desconfiança sobre quem investigou, acusou, pronunciou ou despronunciou, julgou, recorreu, condenou ou absolveu.

Por mim, à semelhança do que o sociólogo faz, acusando indiscriminadamente e lançando ignomínias a eito sem qualquer indício de prova ou elemento de inculpação, poderia dizer do mesmo modo que é incompreensível tanta burrice num sociólogo assim. E nem daria qualquer justificação porque o mesmo também não dá. Mas aborrece-me o método e por isso vou justificar o epíteto- e tentar comprovar porque é que António Barreto não sabe o que diz.

A justiça não se encontra refém dos sindicatos porque estes não se alargam em manifestações políticas ou intervenções de força junto do poder político-legislativo. Os códigos e as leis, nestes últimos 25 anos, para não dizer mais, foram todos, mas mesmo todos, gizados sem intervenção directa dos sindicatos que apenas se limitaram em alguns casos contados a dar pareceres a que esse mesmo poder político-legislativo deu importância zero.
Basta ver por todos, o exemplo das críticas que foram oportunamente feitas em 1987, antes da entrada em vigor do C.P.P. que sofreu várias revisões durante estes anos ( mais de vinte) e todas sem que os sindicatos tivessem papel activo. E no entanto as críticas eram certeiras, ajustadas e vinham de quem sabia do assunto. De nada adiantaram e passados anos, as revisões sucederam-se dando razão aos sindicatos...
O poder político-legislativo escolhe comissões, geralmente professores universitários que as coordenam e de certa escola de Direito ( Coimbra ou Lisboa) e dão carta branca para os projectos que apresentam. A prova? A última reforma do processo civil e acção executiva, bem explicada num número recente do Público que Barreto se calhar lê, mas não entende. Essa reforma é a prova comprovada se preciso fosse, de que as leis são da responsabilidade dos poderes políticos e legislativos sem que os sindicatos metam sequer uma palha no assunto ou tenham qualquer poder de influência decisiva nos mesmos.

Isto que é evidente e claríssimo para quem percebe o mínimo destas matérias é obscuro e opaco para António Barreto.

Depois há outro fenómeno que o mesmo não entende: certas leis que temos, como por exemplo o Código dos Contratos Públicos são da autoria de certas firmas de advogados a quem o poder político, à míngua de legisladores de confiança e competência que não sabe encontrar noutro lado, entrega a escritórios de advogados como é o caso da Sérvulo & Associados.

Essas leis avulsas e outras codificadas são gizadas de acordo com o poder político-legislativo que aprova no Parlamento. Se as mesmas saem coxas, mal feitas, numa palavra incompetentes, o problema e a culpa devem-se a quem e a quê? Aos sindicatos da magistratura? Às pessoas que são contratadas a peso de ouro para as elaborarem? Ou tão simplesmente à incompetência dos políticos que temos no governo e A.R. que não sabem ler nem analisar o que mandam fazer a outros e as aprovam sem mais, fazendo ouvidos de mercador às críticas, precisamente algumas delas dos sindicatos?

Só estes dois reparos chegam para pedir a António Barreto que se cale nestas matérias, peça conselho a quem sabe e fale de outras coisas como por exemplo a sociedade portuguesa que provavelmente estudou alguma coisa para saber como é. É muito penoso ler o que diz sobre isto.

PS. Mas há outro assunto ainda mais penoso e que acabei de ler agora. Refere Barreto que a incompreensibilidade de algumas coisas nesses processos está ligada a quebras de segredo de justiça. E refere depois que está convencido que "houve informação dada deliberadamente por operadores de justiça e eu estou convencido que os responsáveis são obviamente os procuradores e os juízes." E depois refere-se às desgraçadas vitimas destas violações de segredo como se este fosseo valor absoluto a respeitar nestes processos. É irritante ler isto pelo seguinte:

António Barreto devia saber que o segredo de justiça é um instrumento para assegurar a eficácia das investigações. Não é um instrumento para preservar a ignorância do povo em relação a políticos suspeitos. Isso seria o mesmo que voltarmos ao passado de há 40 anos. O segredo era nessa altura um valor a preservar na dignidade do Estado autoritário. Actualmente em nenhum país europeu e civilizado se resguarda segredo em relação a casos que envolvam personalidades públicas e políticas. Porque as pessoas querem saber e têm direito a saber.
Se há abusos, entorses e ilegalidades que se denunciem devidamente. Mas tal não autoriza a que se faça como Barreto faz, um processo de intenção genérico em relação à magistratura dizendo que capturou o poder político. Tal afirmação é de uma enormidade incompreensível, a meu ver.

Quem capturou o poder foram os políticos. E não o querem largar por nada deste mundo que é deles, procurando açambarcar o mais possível a fatia que lhes pertence, diminuindo a dos outros poderes do Estado. Daí que acusar a magistratura de malfeitorias , com estas ajudas de indivíduos como Barreto é sopa no mel, para os mesmos.

Barreto, sobre violação de segredo de justiça, grave e séria, já que fala nisso, deveria lembrar-se do que se passou no processo Face Oculta em 24 de Junho de 2009. Que se inteire desse fenómeno e depois venha falar disso e da tal "captura" do poder político pelos magistrados.

Questuber! Mais um escândalo!