domingo, maio 29, 2011

A estupefacção do Bastonário

Sic-Notícias:

No sábado, o juiz de instrução do caso colocou em prisão preventiva uma das jovens, com 16 anos, que agrediu a adolescente de 13 anos, bem como o alegado autor do vídeo que circulou na Internet, com 18 anos.

"Foi aplicada a medida de coação mais grave, visto que as demais não acautelavam os perigos de continuação da actividade criminosa (...) o jovem arguido encontra-se também indiciado noutros processos pela prática de crimes de roubo", segundo uma nota da procuradoria-geral distrital de Lisboa.

No sábado, o bastonário da Ordem dos Advogados, António Marinho Pinto criticou a aplicação da prisão preventiva aos dois jovens, considerando tratar-se de uma medida de um sistema judicial "da Idade Média".

"Estou estupefacto. É terrível", disse Marinho Pinto.

Comentário: o caso em causa mereceu a atenção dos media. Provavelmente no mesmo dia terão acontecido pelo país fora, outros casos do género ( agressões físicas praticadas por mais de duas ou três pessoas) e com gravidade porventura superior. Provavelmente a polícia tomou conhecimento dos mesmos através de queixa e faltarão exames médico-legais para avaliar as ofensas. Provavelmente, os inquéritos não tiveram nem vão ter a intervenção imediata e com buscas domiciliárias como este. Provavelmente não irá haver detidos nem primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coacção, tal como a prisão preventiva, aplicada neste caso.

Provavelmente tudo isso será verdade. Mas se todos os casos tivessem este desenvolvimento e esta eficácia, ninguém poderia dizer mal da justiça penal. Inicialmente até eu me senti admirado do alvitre da "Felgueirinhas" no jornal das 10 na RTP2. Mas afinal, acertou no palpite.

Só o Marinho e Pinto se mostra "estupefacto" com isto, porque estaria à espera do que é "normal", "usual" e corriqueiro nestes casos: darem em nada. Foi por um triz que este também não deu em nada. Bastou que os media pegassem no assunto e o elevassem à categoria de fait-divers nacional e urgente, para que o DIAP actuasse imediatamente e porventura bem.

Resta saber é se o vai fazer nos demais casos que não foram alvo de atenção mediática. E como provavelmente não o fará por falta de recursos e meios, resta perguntar de quem é a responsabilidade por tal suceder.

E outra coisa ainda que me causa alguma estranheza: será que isto representa uma nova abordagem dos casos penais que aparecem no DIAP? Se for, só há que aplaudir.

Aditamento em 30.5.2011:

O Comentador "Basófias" na caixa de comentários deste postal lamenta que tenha sentido regozijo por esta decisão de um JIC.

Na verdade, não é bem regozijo mas antes uma surpresa misturada com uma aceitação. Não é costume ver aplicada pena de prisão preventiva em casos destes e noutros bem piores. Se neste caso foi aplicada tal medida de coacção extrema, devo aceitar que o JIC que tomou a decisão o fez com a ponderação do costume. E se aplicou tal medida fê-lo também porque achou que se encontravam preenchidos os requisitos processuais para tal. Designadamente o alarme social, perante o que se passou de um certo histerismo mediático que se verifica pontual e selectivamente quando calha um caso destes e o tempo dos media está para aí virado. Estas são as duas bases da aceitação. A surpresa advém do modo como todo o caso se desenrolou.

Os media em Portugal marcam muitas agendas políticas e também, por vezes, judiciais. Determinam, influenciando abertamente, decisões que não seriam tomadas caso os assuntos fossem privados de exposição pública. Será isto bom ou mau? Não sei dizer e duvido que alguém saiba. Por vezes é bom; outras vezes é mau. Desta vez foi mau? Não me parece, embora possa assumir posição contrária com toda a facilidade do argumento reversível.

Desta vez, o caso transbordou o mero fait-divers e transformou-se num exemplo. Tudo o que o acompanhou é estranho à normalidade do acontecer nestas coisas: agressões entre adolescentes, por vezes violentas, é mato como se costuma dizer e acontecem todos os dias. Agressões que são filmadas e o resultado posto a circular no YouTube também acontecem e não geram ondas de indignação mediática como esta gerou. Fenómenos judiciários tais como a autuação do caso de modo célere pelo DIAP, com participação directa da sua directora, segundo se conta e com uso de instrumentos processualmente válidos e com eficácia, acontecem mas é mais raro porque a rotina e o costume imperam e substituem o cumprimento da lei com esmero e brio. Buscas domiciliárias para recolha de elementos de prática do crime ainda antes de exames médicos à ofendida também não se apresenta com a vulgaridade do lineu juriciário. Detenção com mandados emitidos por uma autoridade judiciária que demoram muito tempo a elaborar, exigem factos concretos e precisos e justificações de medidas de coacção, também não é o comum neste tipo de crimes.

Então porquê esta actuação? É essa a pergunta que coloquei no postal e precisa de ser respondida por quem de direito, designadamente o DIAP. Nesta vez nada disse e quem disse foi a PGD de Lisboa, numa actuação também ela interessante e singular. Normalmente é o PGR quem fala em público e à saída de um sítio qualquer para ir para outro, com microfones postos em riste. Desta vez, não. E não houve comentários avulsos.

Aqui há umas semanas, os media deram conta de uma incursão do mesmo DIAP nas instalações do Ministério da Justiça para fazer buscas, o que é simplesmente algo extraordinário e que julgo nunca aconteceu. E o motivo teria sido um hipotético abuso de poder do ministro ou de alguém do ministério por causa do suplemento remuneratório à mulher daquele. Confesso que essa me deixou estupefacto. Nem sequer surpreso mas simplesmente estupefacto. Mas...aplaudi com reservas que situo apenas no plano das oportunidades e prioridades.

Então não haverá crimes desse género por aí, em barda, em certos ministérios que lidam com obras públicas e concessões em parcerias? E cadê as buscas? E cadê os mandados de detenção? E cadê as imputações de factos eventualmente criminosos?

É por isto que fiquei surpreso com a decisão neste caso. E que aceitei de bom grado por via de uma coisa muito simples: parece-me que isto pode mudar.

"Isto" é simplesmente a atitude em acabar com o laxismo judiciário e passar a vias de facto em relação a coisas gravíssimas que se passam debaixo dos nossos olhos e narizes. E cheiram muito mal.

Pudera que os farejadores tenham olfacto bem apurado porque este fait-divers, para mim, é apenas um sinal. E Justiça se fará se os agora presos preventivamente não merecerem punição privativa da liberdade.

Não sendo as medidas de coacção uma antecipação de penas, nem podendo ser, podem no entanto aproximar-se a esse efeito sempre que está em causa o alarme social que estes factos podem causar. E quem causou o alarme social?

Ora...os MEDIA! E acho que alguns terão aprendido algo com isto: porque de repente se calaram nas críticas ao poder judicial. Apenas o Marinho e Pinto anda por aí a vociferar em modo boquejeiro, como habitualmente e sem que o seu estatuto lho permita sequer. Mas permite-se ele, ora então!

Questuber! Mais um escândalo!