
Escreve assim, para todos os que passam nas "bancas" de rua possam ler e ficar a saber: "Procuradora com álcool perdoada".
Notícia sucinta não pode haver maior. Procuradora, já todos sabem de quem se trata: alguém do MP e por antonomásia o próprio MP, na "front page" deste jornal muitas vezes apasquinado, como hoje. "Com álcool", é apodíctico mas precisa de confirmação que é dada em "insert", esclarecendo que foi "apanhada com 3,08 g/l em contramão". Por fim, a palavra chave da notícia errada: "perdoada". Perdoada por quem? Outro "insert" a esclarecer: " colega da magistrada considera ilegal a detenção em flagrante pela polícia municipal".
Ora aqui está uma belíssima capa que pode dar uma belíssima indemnização à magistrada em causa. Porquê? É já a seguir que se explica a Octávio Ribeiro que o jornalismo tipo tablóide inglês, pode dar maus resultados e a desinformação é sempre uma nódoa no currículo, a não ser que se trate de jornalismo desportivo em que o que é verdade hoje, amanhã pode ser mentira e ninguém leva a mal, porque estão sempre em figura de carnaval.
Em primeiro lugar, o facto de uma magistrada conduzir "em contramão" e com excesso de álcool no sangue" é um crime que pode e deve ser punido em conformidade com o direito e a lei. A magistrada em causa não foi "perdoada" do tal crime, o que sendo equívoco na primeira página malandra, já fica bem esclarecido na notícia de interior, com duas páginas recheadas de fotos.
Mas há um problema que os pobres jornalistas desportivos mai-lo director Octávio não perceberam bem porque se calhar não tiveram tempo de fazer um telefonema a quem os poderia esclarecer e tirar a primazia de uma primeira página assim:
Os magistrados, por privilégio estatutário, não podem ser detidos em flagrante delito a não ser que comentam crimes com certa gravidade. O artº 91 do seu estatuto diz claramente que "os magistrados não podem ser presos ou detidos antes de ser proferido despacho que designa dia para julgamento relativamente a acusação contra si deduzida, salvo em flagrante delito por crime punível com pena de prisão superior a três anos. " E em caso de eventual prisão, o magistrado é apresentado imediatamente à autoridade judiciária competente que no caso será o superior hierárquico do magistrado.
O crime de condução de veículo sob influência de álcool previsto e punido no artº 292 do C.Penal é punido com prisão, mas deste modo:
1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
A notícia do Correio da Manhã é errada por dois motivos: em primeiro lugar não houve perdão algum. Em segundo lugar, o crime eventualmente cometido não permite que a magistrada em causa seja detida, mesmo em flagrante delito, pelas razões explicadas.
O jornal, apressadamente, pariu uma asneira grossa: dá a entender que a discordância sobre a legalidade da prisão tem a ver com o facto de ter sido a polícia municipal a efectuar a detenção, anulada pela "colega" da magistrada. Ora não se trata nada disso. Do que se trata é de outra coisa como ficou explicado e se espera que o director Octávio perceba e não faça figuras destas.
E amanhã, se tiver coragem, peça desculpa na primeira página. Dupla desculpa: à magistrada em causa e ao público em geral que enganou por asneira que praticou no exercício da profissão. O facto de uma pessoa conduzir um carro com álcool no sangue é grave porque põe em perigo a segurança rodoviária, mas para evitar e punir esse facto há a tipificação do crime que a magistrada cometeu, segundo tudo indica e por isso será julgada. Não foi perdoada, ao contrário do que o director Octávio dá a entender na primeira página e hoje inúmeras pessoas pensarão e comentarão.
Esse crime de lesa-honra pessoal e profissional também está previsto no Código Penal, no artº 180º que pune a conduta com pena de prisão até seis meses ou multa. A que se junta o de abuso de liberdade de imprensa.
Mas sobre estes crimes o director Octávio mai-los seus jornalistas nada dirão. Como de costume. E se verdadeiramente quiser ver o espelho da vergonha do que publicou que leia os comentários anónimos à notícia, no jornal.
PS. tinha escrito originalmente "sô" Octávio para designar o director do jornal. Mas afinal não me apetece brincar com isto, porque é uma vergonha e não quero menorizar o incidente.
Aditamento em 21.5.2011.
A PGD de Lisboa (órgão da hierarquia do MºPº) publicou um comunicado sobre o assunto. Não sei se o Correio da Manhã e os seus jornalistas desportivos deram conta do assunto, ( na primeira página que leio sempre, não deram. Fazem de conta que são águas passadas, chocas) mas ainda assim aqui fica o comunicado que deveria ser enviado ao jornal com pedido expresso de publicação ( o seu resumo) na primeira página com o destaque dado à notícia, ao abrigo da Lei de Imprensa:
Ao abrigo do n.º 13º do artº 86º do Código de Processo Penal, e sobre o assunto em epígrafe, a PGDL presta o seguinte esclarecimento:
Os órgãos de comunicação social estão a veicular a notícia de que uma Procuradora da República foi libertada e 'perdoada' pelo Ministério Público, na sequência de detenção, operada pela Polícia Municipal, por condução de viatura automóvel sob efeito de álcool e em contramão.
Os factos são indiciariamente susceptíveis de integrar ilícito criminal previsto no artº 292º do Código Penal, punido com pena de prisão até um ano.
As competências da Polícia Municipal estão definidas na Lei 19/2004, especificamente nas normas dos artigos 3º e 4º e foi objecto de Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 08.05.2008, publicado em DR II Série de 12.08.2008.
Não sendo a Polícia Municipal órgão de polícia criminal, resulta do artº 3º da mencionada Lei e da conclusão 12ª do Parecer da PGR que a Polícia Municipal não tem competência para a constituição de arguido nem para a sujeição de cidadão a TIR, a não ser nos inquéritos penais previstos no n.º 3 da norma ou seja, “ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas.”.
Porque o ilícito em causa, - a condução sob efeito do álcool - não integra aquele núcleo de ilícitos, o Ministério Público em turno não validou a constituição como arguida feita pela Polícia Municipal.
De resto, no turno de 14 de Maio, procedimento idêntico - de não validação pelo Ministério Público da constituição de arguido e sujeição a TIR – foi decidido quanto a um cidadão brasileiro, relativamente ao crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Acresce que o Estatuto do Ministério Público prevê, no seu artigo 91º, norma específica sobre a prisão preventiva e detenção de magistrados do Ministério Público, sendo que a detenção, ainda que em flagrante, só pode ocorrer em face de crimes puníveis com pena superior a 3 anos, o que não é o caso.
Ademais, o foro competente é o Tribunal da Relação de Lisboa, como decorre da norma do artº 92º do mesmo Estatuto e do artº 265 do Código de Processo Penal.
Por tal razão, os autos já foram remetidos pelo Tribunal de Cascais ao Tribunal da Relação de Lisboa, onde serão autuados distribuídos e tramitados como inquérito crime, a cargo de um Procurador-Geral Adjunto.