sábado, maio 14, 2011

O estranho caso da violação sem violência

Com grande estrondo mediático ( semanário Sol e também Expresso) replicado em blogs e outros media, fala-se no caso do psiquiatra que tal gato judicial de Shroedinger violou/ não violou uma paciente, durante uma consulta.

Antes de mais, os factos tais como descritos no acórdão da Relação do Porto, aqui transcrito.

"A ofendida C…, que padece de doença depressiva, iniciou, em 31 de Março de 2009, acompanhamento médico junto do arguido, médico psiquiatra, no consultório deste, sito na Rua …, …, …, Porto.
No decurso de tais consultas, a ofendida C… ficava sozinha com o arguido no interior do aludido consultório que era também e simultaneamente a residência deste e onde não existia qualquer funcionário.
Em 2 de Setembro de 2009, a ofendida, que então se encontrava na 34ª semana de gravidez, compareceu no consultório do arguido, cerca das 14.30 horas, para uma consulta.
Cerca das 15.30 horas, no decurso da consulta e devido ao seu estado de fragilidade emocional, a ofendida começou a chorar, tendo-lhe o arguido dito para se deitar na marquesa (ou divã) - ao que esta acedeu.
O arguido começou então a massajar-lhe o tórax e os seios e a roçar partes do seu corpo no corpo da ofendida.
Esta levantou-se do dito divã e sentou-se no sofá. O arguido foi então escrever uma receita. Quando voltou com ela, aproximou-se da ofendida, exibiu-lhe o seu pénis erecto e meteu-lho na boca, para tanto agarrando-lhe os cabelos e puxando-lhe para trás a cabeça, enquanto lhe dizia” estou muito excitado” e “vamos, querida, vamos”.
A ofendida reagiu, levantou-se e tentou dirigir-se para a porta de saída; no entanto, o arguido, aproveitando-se do estado de gravidez avançado que lhe dificultava os movimentos, agarrou-a, virou-a de costas, empurrou-a na direcção do sofá fazendo-a debruçar-se sobre o mesmo, baixou-lhe as calças (de grávida) e introduziu o pénis erecto na vagina até ejacular. "

Segundo as leis penais aplicadas no julgamento de primeira instância, o arguido cometeu um crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 do C. Penal.
O tribunal de recurso, Relação do Porto entendeu de modo diferente e em sumário, decidiu assim:
O crime de Violação, previsto no artigo 164.º, n.º 1, do CP, é um crime de execução vinculada, i.é., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir.
II – O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em “violência”.
III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto.
IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de Violação.

Perante isto que aqui fica e me parece o essencial, que dizer?
Segundo o Expresso de hoje, o vice-presidente do CSM, conselheiro Bravo Serra, oriundo do MºPº, pronunciou-se dizendo que se fosse ele, decidiria de modo diverso do da Relação, aguardando por isso decisão de revista do STJ.
Que certamente irá anular a decisão da Relação, segundo o que penso será o mais correcto, politica e consensualmente.

Será assim? Parece que tudo gira à volta do conceito de "violência", ou seja, do que como tal se deve entender. O Expresso de hoje, num artigo muito equilibrado e bem explicativo do problema, coloca os nomes dos envolvidos na decisão judicial, ao contrário de outros media que parece terem um pudor excessivo nestas coisas. Ficamos a saber o nome do psiquiatra, o da desembargadora que decidiu ( e que aliás consta do acórdão publicado) e ainda o de outras pessoas que comentam o caso. Todos são unânimes em reconhecer a ausência de bom senso da decisão da Relação.

E assim parece. Se se dá como provado, como se deu, que houve da parte do psiquiatra arguido actos de coacção física sobre a paciente, isso dificilmente se explicaria como não sendo violência física passível de integrar o conceito de violação. Como se diz no acórdão.

Portanto, assim prima facie parece fácil dizer que a decisão da Relação é uma aberração jurídica e um atentado ao senso comum, como fazem muitos comentadores.

Não obstante, as dúvidas da desembargadora-relatora do acórdão estão todas explicadas no mesmo. E são dúvidas que colocam em causa o relato da assistente-vítima. E são dúvidas decorrentes da audição da prova gravada e da análise dos elementos dos autos.

Por isso mesmo, não seria tão afoito em escrever ou dizer que a decisão da Relação é uma asneira grave que compromete a imagem do poder judicial.
Poderia comprometer se fosse uma decisão completamente aberrante, mas pela leitura do acórdão, pode ser um mero erro de análise jurídica que só não comete quem não tem a incumbência de decidir casos destes.
E os erros jurídicos corrigem-se através de recurso. Como irá acontecer. É tudo o que se deve e pode dizer sobre o assunto.

PS: conheço a desembargadora, por ter trabalhado no mesmo tribunal , há muitos anos. No entanto, não é por isso que escrevo deste modo ou de outro.
Parece-me que na análise destes casos, pelos media, falha sempre uma coisa essencial: os jornalistas e comentadores não estiveram na sala de audiência, nem sequer foram os que fizeram o inquerito nem se deram ao cuidado do exercício elementar do contraditório. Geralmente adoptam uma posição de um dos lados do conflito. E por isso mesmo nunca serão bons julgadores.
Para tal, prefiro sempre os tribunais. Por mais erros que cometam e é evidente que cometem, estarão sempre mais bem preparados para analisar os casos do que os jornalistas de causas.
E é por isso que sinto muita renitência em julgar criticamente decisões dos tribunais. Mesmo em casos de escândalo flagrante como foi o do tal Rui. Pedro.Soares.


Questuber! Mais um escândalo!